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Todo mês, Mario Ghio aborda temas de grande relevância para o setor, sempre fundamentados em dados, na Coluna X da Educação

Os neurônios-espelho são um tipo de neurônio descoberto inicialmente em macacos, depois em humanos, lá pela década de 90. Eles disparam tanto quando uma pessoa executa uma ação quanto quando observa alguém realizando a mesma ação. Isso sugere que o cérebro “espelha” o comportamento do outro como se estivesse ele mesmo fazendo a ação. Crianças adoram imitar as ações de outras crianças ou adultos, faz parte de nossa humanidade. Mas Psicologia Social já documentou amplamente como trejeitos são inconscientemente copiados entre pessoas adultas do mesmo grupo. Sem querer, imitamos gestos e caretas de nossos amigos. Neurônios-espelho são fundamentais para a nossa sobrevivência individual e coletiva. A empatia humana está relacionada com este tipo de neurônios.

Iniciei minha carreira na educação muito cedo. Naquele momento, final da década de 80, recém-ingresso na universidade comecei a trabalhar no plantão de dúvidas do Anglo esclarecendo os questionamentos de Química dos estudantes. Tinha 18 anos à época e recebia um salário que era mais que suficiente pra alguém que morava com os pais. Pouco depois, seguindo a tradição do Anglo de preparar seus professores pela beirada, assumi minhas primeiras turmas nos cursos noturnos, quase inexistentes atualmente. Quis o destino que meus pais falecessem logo a seguir. Como irmão mais velho, coube a mim assumir as despesas da casa e sustentar meus irmãos mais novos. Descobri a duras penas que um jovem adulto de 19 anos em apuros nem é criança o suficiente para ser amparado, nem adulto o suficiente para receber mais responsabilidades e remuneração. Período de muito aperto e dificuldades.

Para completar o cenário, minhas poucas e vitais aulas iam muito mal. Tão mal que ao entrar em sala, mais da metade dos alunos ia embora. Sentia uma pressão enorme porque aquelas aulas eram a única fonte de renda da minha família.

Um dia fui chamado à Coordenação do curso. Fui até lá pensando como devia se sentir o gado no abatedouro, mas o resultado foi inesperado. O Coordenador de Química do Anglo, Prof Geraldo Camargo, me comunicou que o Prof Simão, dono do curso e também professor de Química, resolvera me dar uma chance e apostaria um pouco mais em mim. Decidira me retirar das turmas, mas manteria meu salário desde que eu assistisse às aulas de todos os outros professores de Química por 3 meses.

Minha missão era copiar tudo e todos, imitar exatamente o que faziam quando recebesse uma nova turma. Com muita gratidão ao Simão e aos colegas que me permitiram assistir suas aulas, cumpri à risca o acordo. Ao receber duas novas (e últimas) turmas, imitava até a cor do giz que os colegas usavam na lousa. Deu certo, não era um professor brilhante, mas era aceitável (pelo menos todos os alunos ficavam na sala) e com o tempo fui trocando a cópia por minhas próprias ideias e graças a essa chance tornei-me um professor bastante sólido. Saímos do aperto e a vida seguiu. Não teria tido uma carreira tão longa neste setor não fosse a ação generosa e empática do Simão e do Geraldinho. Provavelmente, nem estaria escrevendo estes parágrafos numa coluna sobre educação. Tudo que aprendi sobre didática, aprendi copiando e melhorando.

Isso foi antes da descoberta dos neurônios-espelho, mas meus chefes já sabiam que todos temos a capacidade de imitar. Se imitamos bons comportamentos, evoluímos, melhoramos. Curiosamente, esta ferramenta tão simples que poderia servir de modelo para a formação inicial e continuada de professores não é usada. Aliás, é até execrada pela Academia. Onde já se viu retirar a “liberdade de cátedra” de um professor pedindo que ele imite outro! Infelizmente, não se lança mão do simples artifício de identificar professores com uma didática fenomenal e permitir que os demais possam imitá-los. A liberdade está em melhorar, buscar um tempero pessoal, mas sobre ações que funcionam em prol do aprendizado dos alunos. O resto é só comentário!

Nunca esqueci essa lição. Busco a vida toda ter a humildade de identificar pessoas que me inspiram e imitá-las. Depois vou melhorando. E você?

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