Mensalmente, Mario Ghio aborda temas de grande relevância para o setor, sempre fundamentados em dados, na Coluna X da Educação
Alguém disse que “não há ser humano mais estúpido que um adolescente entre seus amigos”. Quem convive com adolescentes tende a considerar a frase sábia. Muitos focam na palavra estupidez, mas gostaria de neste artigo construir mais sobre o comportamento frente aos amigos, o grupo, o bando.
No artigo anterior, explorei como a evolução nos fez seres sociais, como a convivência moldou nosso cérebro e comportamentos e como a imersão digital subtrai traços essenciais de nossa humanidade como, por exemplo, reconhecer as emoções de outro ser humano. Quero resgatar a informação de que crianças viciadas em redes sociais não eram mais capazes de reconhecer as emoções de outras crianças retratadas em fotografias. Por sorte, o fenômeno é reversível e a abstinência digital e o convívio social são capazes de resgatar esta competência humana básica e essencial.
Adolescentes são mais suscetíveis a adotar os comportamentos e os trejeitos do grupo, mas todos nós temos a mesma tendência.
Solomon Asch conduziu experimentos muito interessantes na década de 60 e percebeu que 75% dos participantes tinham a tendência de anular sua opinião original e se conformavam com a maioria. Só que todos os participantes, com exceção de um, eram contratados pelo pesquisador para dar opiniões absurdas sobre questões óbvias. Asch provou que temos uma tendência natural à conformidade, a adotar a opinião do grupo mesmo que contradiga frontalmente nosso julgamento original. Os mais conformados tendem a ser os mais queridos.
Importante refletir que a conformidade não é necessariamente um traço social ruim dependendo do contexto. Por exemplo, quando consideramos que uma pessoa não é individualista, joga em equipe e busca a harmonia coletiva temos um aspecto positivo da conformidade. Por outro lado, quando uma pessoa abandona a postura crítica para com o grupo e passa a aceitar sem filtros o comportamento social do bando, os resultados podem ser terríveis. O Nazismo e o Estado Islâmico estão aí para comprovar.
A série Adolescência, da Netflix, choca e tem causado uma reflexão entre pais e educadores sobre como o mundo digital, compreendido como as redes sociais, podem desenvolver nos jovens comportamentos distorcidos, violentos ou suicidas, mas é possível compreender o mecanismo por trás deste fenômeno e evitá-lo.
A estupidez do adolescente entre seus amigos nada mais é que a manifestação de nossa tendência à conformidade. O adolescente sente em uma etapa de sua vida que o núcleo familiar apenas já não satisfaz sua curiosidade social (e sexual) e se abre para a possibilidade de participar de outros bandos. Para ser aceito, tem de passar por rituais de iniciação, tem que se conformar com a cultura do novo bando, mesmo que no início tenha aversão a aspectos da nova cultura. Afinal, se tantos pensam daquela forma, deve estar certo.
Sempre foi (e será) assim. Ainda na década de 60, muito antes da internet, as famílias ficavam horrorizadas ao ver seus filhos aderindo ao movimento hippie, mudando suas vestimentas, adotando costumes liberais, sexo livre etc. Mas havia uma diferença crucial com os dias atuais, na Era das Redes: a visibilidade do comportamento nos grupos analógicos versus a invisibilidade do comportamento dos grupos digitais. A série explora muito bem o fato de que no quarto ao lado ninguém sabe o que o filho está fazendo, absorvendo e se conformando para se conectar com um novo bando. Quando a ponta do iceberg fica visível pode ser tarde demais.
É exatamente na conformidade, na aceitação sem filtros do comportamento social do bando que está a causa de muitos problemas atuais com os jovens. Os algoritmos foram programados para reunir grandes grupos homogêneos, pois quem pensa diferente não é conectado com os demais. Com o passar do tempo o grupo desenvolve um pensamento coletivo monolítico, que passa a ser verdade e cultura (até religião) para seus membros. Assim nascem as bolhas.
A série explorou a manifestação de um grupo de meninos adolescentes com dificuldades de se relacionar com o sexo feminino. Os incels, ou celibatários involuntários, que desenvolvem uma cultura misógina e violenta. Recentemente, o neurocientista Billy Nascimento provocou a seguinte reflexão: “você sabe qual algoritmo está criando seu filho?”. Pergunta sábia e brilhante!
Mas como evitar que a conformidade inata dos jovens possa produzir comportamentos sociais nocivos? A resposta não é tão difícil de elaborar, mas é difícil de implementar.
O primeiro passo é restringir o acesso às redes sociais para menores de 16 anos. A seguir, temos de ensinar para os adolescentes mais jovens, no mundo real, como funciona a conformidade e como ela pode ser uma armadilha. Por fim, todos os estudos comprovam que grupos diversos são grupos mais inteligentes. Não há espaço para pensamentos misóginos em grupos com a presença maciça de mulheres, coisa muito fácil de ensinar aos algoritmos. Portanto, leis sobre diversidade são tão importantes no mundo digital como são no mundo real.
Para encerrar, lembro-me do primeiro autor de livros sobre gestão que tive contato. Se chama Lee Iacocca, criou o Mustang entre tantos outros sucessos e se tornou o maior executivo do ramo automobilístico e, para muitos, o mais sábio de todos. Uma das leis fundamentais de Iacocca era “manter sempre um contestador por perto nos livra da estupidez”.
É fundamental refletir, não apenas para nossos jovens, mas para nós mesmos, quanto espaço temos dado a quem pensa diferente, quanto de conformismo inconsciente tem regido secretamente nossas vidas. Quem sabe após esta reflexão possamos nos reaproximar, formar bandos mais diversos e inteligentes e possamos evoluir!

Mario Ghio Junior é empresário, membro do Conselho de Administração da Vasta Somos e da SEB Alta Performance, presidente da Abraspe (Associação Brasileira dos Sistemas e Plataformas de Ensino) e do Conselho da Fundação Pitágoras. Também é conselheiro de várias organizações não-governamentais (ONGs) dedicadas à melhoria da educação pública. Foi CEO da Abril Educação, diretor Acadêmico da Kroton e da Estácio (YDUQS), diretor de plataformas educacionais do Grupo Santillana. Iniciou a carreira lecionando Química no Anglo Vestibulares.