Indicador revela que 29% dos brasileiros ainda não compreendem textos simples, e especialistas apontam caminhos pela escola e pela tecnologia
O analfabetismo funcional continua sendo um dos maiores desafios educacionais do Brasil. Segundo o mais recente Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), três em cada dez brasileiros entre 15 e 64 anos não sabem ler e escrever ou dominam apenas o básico, incapazes de compreender pequenas frases, identificar números de telefone ou interpretar preços.
O dado, que corresponde a 29% da população, mostra a urgência de políticas públicas eficazes e de novas abordagens pedagógicas para garantir a alfabetização plena. Embora o índice geral tenha se mantido estável, o aumento entre os jovens chama a atenção: em 2018, o analfabetismo funcional atingia 14% dos brasileiros de 15 a 29 anos; em 2024, o número subiu para 16%.
Especialistas destacam que o cenário reflete tanto defasagens estruturais do sistema educacional quanto a necessidade de incorporar metodologias mais dinâmicas e tecnológicas ao processo de ensino. Para Marcos Pegoraro, CEO da F10 Software, a tecnologia é parte essencial da solução.
“As plataformas digitais ajudam na assimilação do conhecimento e são grandes aliadas no reforço escolar. A educação a distância (EAD), por exemplo, oferece flexibilidade, autonomia e acesso a conteúdos estruturados, fatores que favorecem a permanência e o aprendizado dos alunos”, afirmou o especialista, com mais de 20 anos de atuação no setor.
Marcos Pegoraro explicou que o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e metodologias como a gamificação permitem ao estudante trilhar percursos personalizados, com apoio de tutores e recursos interativos. O uso de jogos e desafios em sala de aula também pode estimular o engajamento e o raciocínio crítico. “A gamificação é uma das metodologias ativas que permitem que o aluno seja o protagonista do processo de aprendizagem”, ressaltou o CEO.
Formação docente e leitura como bases da alfabetização plena
Ao transformar o conteúdo em experiências lúdicas, as plataformas tecnológicas ajudam a recuperar lacunas de aprendizagem e a tornar o estudo mais significativo, especialmente entre crianças e adolescentes. No entanto, a superação do analfabetismo funcional não depende apenas de tecnologia.
Para Cris Tempesta, diretora pedagógica da Escola Lourenço Castanho, em São Paulo, e doutora em Educação pela Unicamp, o problema exige intencionalidade pedagógica e formação docente contínua. “Temos pessoas que passaram pela escola, mas a escola não deixou nelas o legado ao qual os alunos têm direito. A alfabetização é tarefa exclusiva da escola e requer professores bem formados para isso”, afirmou.
A educadora reforçou que práticas como a leitura diária de textos literários e a mediação sistemática são fundamentais, mas devem vir acompanhadas de planejamento cuidadoso e acompanhamento próximo. A metáfora usada por Tempesta é contundente: “Os analfabetos funcionais equivalem a pacientes que sofreram negligência médica e carregam sequelas.” Para a pedagoga, respeitar o professor é também responsabilizá-lo adequadamente, garantindo condições e reconhecimento profissional.
Na mesma linha, Vitor Azambuja, CEO e criador do programa De Criança Para Criança, defende que alfabetizar é um compromisso coletivo. “O governo precisa investir em campanhas públicas para incentivar adultos a procurarem instituições onde possam aprender a ler e escrever. Muitos simplesmente não sabem onde encontrar esse apoio”, observou.
Azambuja criticou políticas baseadas apenas em índices de aprovação, que ignoram o real aprendizado e mascaram a falta de alfabetização efetiva. Na sua opinião, o problema começa na educação básica e exige formação docente sólida, remuneração adequada e foco no aprendizado real. “Não é aceitável que um jovem chegue à faculdade sem saber interpretar um texto. O compromisso do professor deve ser com o aprendizado dos alunos, mesmo que isso custe reprovações”, explicou.
O combate ao analfabetismo funcional, portanto, passa por três frentes: fortalecimento da formação de professores, valorização da leitura e uso estratégico da tecnologia. É na convergência desses caminhos que se desenha a possibilidade de um futuro em que compreender um texto ou resolver um cálculo não seja privilégio de poucos, mas direito garantido a todos.










