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Mensalmente, Mario Ghio aborda temas de grande relevância para o setor, sempre fundamentados em dados, na Coluna X da Educação

É batido dizer que nós, humanos, somos gregários e que os outros ocupam uma posição muito relevante na construção de quem somos, de quem queremos ser ou até quem queremos parecer ser.

A contribuição que trago nesse artigo e nos próximos é compartilhar algumas descobertas científicas sobre como chegamos evolutivamente até aqui, correlacionar com defeitos e virtudes que definem nossa humanidade e, principalmente, como podemos usar estes conhecimentos na educação de nossas crianças e jovens.

Descobriu-se que o aumento da região cortical no cérebro dos primatas estava relacionado ao tamanho do bando em que viviam. Portanto, a vida coletiva, a vida em bando são, ao mesmo tempo, causa e efeito da evolução do cérebro dos primatas e, de quebra, de nossos cérebros. Quanto maior o bando, mais informações para guardar, mais interações a serem feitas e lembradas, mais posições sociais a serem desenvolvidas e respeitadas. Segundo esta visão científica, a vida em grandes grupos causou o aumento da região cortical, mas também teve como efeito o desenvolvimento de habilidades mais complexas de interação, interpretação e comunicação entre os membros do bando. Não há por que desenvolver a fala se não há com quem falar. A vida social nos moldou e continua nos moldando evolutivamente.

Yuval Harari, no livro Homo Sapiens, menciona estudos sobre a relação entre os Neandertais e os humanos modernos. Contrariamente ao senso comum, os Neandertais eram bastante inteligentes e incrivelmente mais fortes e resistentes do que nós, mas não sobreviveram. A resposta parece estar na limitação que os Neandertais apresentavam de serem capazes apenas de interagir significativamente com uma pequena quantidade de outros Neandertais, ao passo que os humanos modernos, por meio de mitos e crenças comuns, foram capazes de agrupar bandos muito maiores e capazes de subjugar adversários mais fortes, mas menos numerosos.

É perfeitamente aceitável afirmar que somos animais essencialmente sociais. O segundo livro que gostaria de mencionar neste artigo é uma obra prima da psicologia social: O Animal Social, de Elliot Aronson, de quem uso o título neste artigo, mas com a pequena e crucial adição da palavra digital, à qual voltarei em breve.

Os psicólogos sociais identificaram que todos nós, humanos modernos, temos  características comuns conhecidas como universais humanos. O núcleo familiar típico (mas não único) é constituído por um homem mais velho, uma mulher mais jovem e filhos, todas as culturas humanas apresentam ritos de passagem à vida adulta, todas as culturas humanas desenvolvem formas de música e dança, todas as culturas humanas desenvolvem formas de espiritualidade, entre outras características. Também é universal o desejo de ser aceito por um grupo e se sentir respeitado e relevante. A neurociência comprovou que as dores sociais ocasionadas pela não aceitação ou sensação de irrelevância sequestram os mesmos centros de dor física. Sentir dor pela rejeição é fato, não figura de linguagem.

Viver em sociedade moldou profundamente nosso cérebro, mente e comportamentos. Explorarei em futuros artigos mais evidências e consequências do impacto social em nossas vidas, mas agora queria voltar à palavra digital que utilizei no título.

Segundo a pesquisadora do MIT, Jeanne Ross, em 2010 inauguramos a “Era das Redes”. Desde então, os dados digitais de tudo que compartilhamos nas redes sociais alimentam algoritmos feitos para maximizar as conexões possíveis e, a partir daí, maximizar a permanência nas plataformas e gerar um sem fim de novos negócios. Do transporte à escolha de um(a) parceiro(a). Afinal, somos animais sociais com desejo inato de participar de novos bandos que nos aceitam e reconheçam.

No entanto, o bando digital se comporta de uma maneira completamente distinta do bando físico. No mundo físico, fomos dotados pela natureza da capacidade de interpretar as feições dos demais membros para saber se estavam tristes, felizes, nervosos etc. Temos áreas em nosso cérebro para reconhecer emoções, o que foi (e é) fundamental para nossa sobrevivência e é a base da empatia. Já o bando digital pode se esconder no anonimato, pode se travestir do avatar que se escolher. Como resultado, o uso precoce de redes sociais por crianças e adolescentes lhes rouba o desenvolvimento das capacidades naturais de sobrevivência social.

Se somos, por força da evolução, animais sociais, não há um ser humano vivo que já nasceu pronto para ser um animal social digital. Com esta perspectiva talvez seja mais fácil compreender a importância de afastar as crianças das redes sociais. Regular o celular é evitar que o vetor da doença as contamine. Assim como o mosquito não é a dengue, mas evitar o mosquito protege da dengue.

Experiências demonstraram que crianças afastadas do celular voltaram a ser capazes de descobrir a emoção por trás de fotos de outras crianças. Voltaram a perceber se a foto representava tristeza ou felicidade, voltaram a ser humanas!

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