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Mensalmente, Mario Ghio abordará temas de grande relevância para o setor, sempre fundamentados em dados, na Coluna X da Educação

Esta é a minha primeira contribuição para o Educador21, que me honrou com o convite de compartilhar ideias sobre Educação com regularidade mensal. Já que estamos começando, vale a pena começar direito. Se fôssemos construir uma casa, precisaríamos iniciar com bons alicerces, daí o título.

Usarei sempre a primeira pessoa do plural porque minhas contribuições são baseadas, ou melhor, alicerçadas sobre o trabalho de muitos cientistas e ciências. De certa forma, farei neste espaço o que fiz muito tempo lecionando Química: achar uma forma didática e interessante de articular a ciência com o dia a dia. Os cientistas desenvolvem ciência e eu a divulgo, com foco na didática e aplicabilidade. Esperamos que juntos possamos contribuir com o debate educacional brasileiro.

Continuando com a metáfora da construção de uma casa, abro um parêntese para mencionar que o grande psicólogo Carl Jung (1875- 1961) planejou e construiu uma casa em Zurique, na Suíça. Ele a chamava de “Morada Interna” e foi fundamental para a construção tanto de sua identidade como de suas teorias sobre Psicologia e Psicanálise. Ele buscou construir sua casa com alicerces sólidos e nela alicerçou boa parte de seu pensamento.

Nossa missão metafórica é construir uma casa sólida, duradoura, instigante e feliz para receber todos os estudantes e para que nela todos eles possam se desenvolver plenamente.

Voltando ao alicerce, é fundamental que esteja baseado em todas as ciências necessárias para que cada estudante seja compreendido e atendido em suas necessidades. Ao pensar em Educação de crianças, é natural que a Pedagogia seja identificada como a única ciência necessária, mas, além dela, precisamos articular outras tantas para que os alicerces sejam verdadeiramente sólidos.

A ciência de dados, base da transformação digital, é fundamental para que possamos estruturar o planejamento pedagógico considerando o contexto familiar e social de cada aluno. Sabe-se que a escolaridade da mãe guarda a maior correlação com o desenvolvimento cognitivo de uma criança, mas infelizmente este dado não é coletado no censo escolar do INEP e, portanto, não está à disposição das escolas para planejarem o recebimento de alunos filhos de mães analfabetas, por exemplo. Sem este dado, temos um alicerce frágil.

As ciências econômicas são fundamentais para que possamos obter o máximo aprendizado dos estudantes, mas considerando também os custos, já que a demanda social por Educação está acompanhada de demandas por saúde, segurança, entre outras. Futuramente, vamos mostrar o que funciona e a que custo quando se trata de Educação.

Quando observamos o investimento brasileiro em Educação (Education at a glance, PISA 2023), notamos um problema claro nos alicerces. Enquanto um aluno de ensino superior público brasileiro recebe um investimento médio anual de 15.000 dólares, superior à média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), um aluno da Educação Básica brasileira recebe em média 3.500 dólares anuais, a metade do Chile e quase um quarto dos alunos da OCDE. É como se construíssemos uma casa com alicerces frágeis, mas com telhado de primeira!

Não sou contra o investimento no ensino superior público, principalmente com a política de quotas, que é um acerto importante por oferecer universidade pública gratuita para quem não poderia estudar de outra forma. Mas sou contra a gratuidade da universidade pública para quem poderia pagar. Quem pode mais, paga mais, quem pode menos, paga menos. Mas, num país com tanta desigualdade, distribuir renda deve nortear todas as decisões, inclusive o financiamento do ensino superior público. A universidade dispõe de outras fontes de financiamento, como pesquisa em conjunto com iniciativa privada, royalties, doações, financiamentos privados etc.

Aos dois problemas já identificados no alicerce educacional brasileiro, a falta de dados essenciais e a falta de financiamento mínimo para a Educação Básica, soma-se a falta de clareza e pragmatismo pedagógico na etapa mais essencial da Educação, a alfabetização.

A Neurociência nos mostra que qualquer humano que convive em grupo aprende a falar, pois esta é uma competência inata de nosso cérebro. No entanto, ninguém aprenderá a ler e a escrever sozinho, nem mesmo convivendo em um grupo que tenha tal competência. Precisa ser ensinado, e direito! O alfabeto é possivelmente, a maior conquista da humanidade. Ele divide a história e divide os mundos e as oportunidades de quem foi bem alfabetizado e de quem não foi.

O mais natural e simples para o nosso cérebro é partir dos sons que compreendemos pela fala para os símbolos que “escrevem” estes sons. No linguajar técnico, devemos partir do fonema para o grafema. Por ser mais simples e natural, a alfabetização fonética é comprovadamente a forma mais eficiente de se alfabetizar. Importante notar que não está dito que seja a única, mas é fato que outras formas demandam muito mais esforço dos professores e famílias e são mais ineficientes. Quando os alunos oriundos de contextos socioculturais mais frágeis são expostos a formas mais complexas de alfabetização, têm menos chance de serem bem-sucedidos. É uma obrigação para com a sociedade adotar o que é mais simples, mais natural, mais fácil e mais eficiente. No entanto, a Pedagogia brasileira periodicamente se apaixona por modismos que se afastam do óbvio e fragilizam o alicerce cognitivo de gerações.

Se queremos construir um país sólido, temos de ser obsessivos com a construção e manutenção dos alicerces corretos.

Basta uma geração para transformar nossa sociedade!

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