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Neste artigo redigido a quatro mãos, Felipe Morgado e Hugo Nakatani convidam a explorar os desafios e oportunidades da transformação digital na educação profissional, e como ela pode moldar um futuro inclusivo

Felipe Morgado* e Hugo Nakatani**

A transformação digital está remodelando a sociedade e o mundo do trabalho a uma velocidade sem precedentes. Novas tecnologias surgem diariamente, automatizando tarefas, criando profissões e exigindo um novo conjunto de habilidades e competências.

Nesse contexto, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) enfrenta o grande desafio de se adaptar a essa realidade em constante mutação, garantindo a formação de profissionais preparados para o futuro do trabalho.

Um desafio ainda maior é garantir que essa transformação seja inclusiva, superando as desigualdades digitais que afetam o acesso à tecnologia e à educação de qualidade.

No Brasil, as desigualdades digitais são uma realidade que aprofunda as disparidades sociais já existentes. Muitos alunos de EPT, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica, enfrentam barreiras significativas para acessar a tecnologia e participar plenamente da transformação digital.

Essas desigualdades podem ser abrandadas com o uso de novas tecnologias e estratégias pedagógicas que permitem aumentar a capilaridade da EPT e a personalização de cursos às necessidades dos estudantes e do mercado. Além disso, a utilização de tecnologias digitais estimula o desenvolvimento de competências digitais que apoiam os alunos no exercício da cidadania digital.

A transformação digital na EPT pode, assim, trazer grandes oportunidades. Ao integrar as tecnologias emergentes em seus desenhos curriculares e práticas pedagógicas, a EPT pode oferecer aos alunos uma formação mais dinâmica, personalizada e alinhada às demandas do mercado. Ferramentas como a inteligência artificial, a realidade virtual e aumentada, a internet das coisas e a robótica podem enriquecer o processo de ensino-aprendizagem, tornando-o mais imersivo, interativo, significativo e acessível.

Para que essa transformação seja efetiva e inclusiva, é fundamental que as escolas e redes de ensino contem com referências e estratégias adequadas. Iniciativas como o SELFIE (Self-reflection on Effective Learning by Fostering Innovation through Educational Technologies), da União Europeia, oferecem ferramentas e recursos para que as escolas possam avaliar o seu nível de maturidade digital e planejar ações para a sua transformação.

O SELFIE propõe uma reflexão sobre diferentes aspectos da integração da tecnologia na educação, desde a liderança, colaboração e trabalho em rede, o planejamento até a infraestrutura, a capacitação docente e a avaliação digital da aprendizagem.

O SENAI tem seguido este caminho e aplica, em suas escolas, uma pesquisa de Maturidade Digital, adaptada a partir da ferramenta SELFIE, coletando dados que subsidiam a identificação de oportunidades de melhoria e apoiam as escolas em seus planos de transformação digital. Estratégias como essa, em conjunto com outras vertentes de infraestrutura, cultura e processos digitais nas escolas do SENAI, vêm contribuindo para alcançar estudantes em 95% dos municípios brasileiros.

Pesquisas e diagnósticos são fundamentais para compreender a realidade das desigualdades digitais e identificar as prioridades de ação de forma tempestiva e assertiva. Orientam ainda a trajetória para alcance da maturidade digital definida pela UNESCO como a introdução planejada e estruturada de tecnologias digitais em instituições e sistemas de TVET.

O objetivo é ampliar o escopo, a escala, a eficiência e a eficácia dos processos educacionais, com foco na formação de profissionais aptos a atuar na economia e na sociedade digital, contribuindo para um desenvolvimento mais sustentável[1].

O processo de transformação digital é multidimensional e multidisciplinar. Neste sentido, a colaboração e atuação em rede entre diferentes atores é primordial para enfrentar os grandes desafios, sobretudo no que tange a mudança de cultura que inclui ações de capacitação docente, novas estratégias de ensino e investimentos em modernização da infraestrutura.

É necessária a criação de políticas públicas que apoiem e respaldem esse processo de transformação. Também é necessário estimular as empresas para o desenvolvimento de soluções que facilitem e suportem as novas dinâmicas de ensino e aprendizagem.

O Brasil figura como um berço de Edtechs, concentrando 70% das 251 startups desse tipo na América Latina, conforme dados do Distrito Edtech Report 2024. Mesmo com essa grande participação do país ainda há o desafio de criação de soluções que atendam necessidades específicas da educação profissional, uma vez que a maior parte das existentes têm como foco a educação básica, o ensino superior ou de línguas.

A EPT tem como característica o desenvolvimento integral de competências: do saber, saber ser ao saber fazer que pode se beneficiar de soluções que permitam aos estudantes experiências imersivas, interativas e personalizadas.

Conclusões

A transformação digital não impacta somente a educação, mas também a inclusão na cidadania digital com o desenvolvimento de competências que permitem que os egressos atuem de forma ativa e participativa nesse mundo conectado, globalizado e em constante mudança. Além disso, essas competências digitais também impactam positivamente o setor produtivo com profissionais aptos a apoiar a inovação e a criação de novos processos e produtos.

Há diversas interpretações sobre as competências digitais para o século 21. Isso se deve a rápida e constante mudança na sociedade decorrente do surgimento e incorporação de novas tecnologias.

Para apoiar as instituições da educação temos de buscar referências como o DigComp Framework da União Europeia que descreve competências digitais como: resolução de problemas, comunicação e colaboração, criação de conteúdos digitais, alfabetização para uso de dados e informações e segurança digital.

Percebemos que são competências transversais que destacam, além de aspectos técnicos de uso de tecnologias, habilidades socioemocionais que podem ser potencializadas com o uso destas, como a comunicação e resolução de problemas.

A transformação digital da EPT é um desafio complexo, mas essencial para o desenvolvimento do país. Abraçando essas novas ferramentas, estimulando a colaboração entre escolas, redes e empresas e reinventando os processos de ensino e aprendizagem temos a oportunidade de fazer a educação do futuro, hoje, de forma mais inclusiva e personalizada permitindo que os estudantes aprendam, independentemente do local que estejam e com trajetórias formativas que considerem o que eles sabem e os seus estilos de aprendizagem.

Acolhendo esse processo podemos ampliar o acesso a uma educação de qualidade independentemente da forma de oferta, seja presencial, a distância ou ensino híbrido com estratégias de formação que efetivamente priorizem o desenvolvimento de competências a todos os estudantes. Assim, superando desafios clássicos como, por exemplo, limitações de infraestrutura que podem ser superados com o uso de simuladores digitais e o entendimento de temas abstratos e complexos com o uso de realidade virtual, estendida ou assistentes de inteligência artificial.

Ao investir em infraestrutura, pessoas, currículos e recursos didáticos, e promover a inclusão digital, as instituições de ensino podem formar profissionais qualificados para a sociedade digital, preparando os estudantes para um mundo profissional em constante transformação, onde a capacidade de aprender e se adaptar será essencial. Essa transformação digital na EPT, embora complexa, é crucial para o desenvolvimento do país. Para isso, é preciso investir em novas tecnologias, fortalecer a colaboração entre escolas, redes e empresas, e repensar as estratégias de ensino e aprendizagem para criar um futuro educacional mais inclusivo e personalizado.

*Felipe Morgado é superintendente de Educação Profissional e Superior, SENAI – Departamento Nacional

**Hugo Nakatani é pedagogo


[1] Enhancing TVET through digital transformation in developing countries

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