Uso da inteligência artificial cresce entre estudantes, mas escolas precisam equilibrar inovação com ética, criticidade e políticas de governança
Marden Pádua*
Tudo começou com um quadro, um giz e uma lousa. Depois, vieram os projetores, os computadores e os tablets. Hoje, mais um elemento se soma à lista de transformações que mudaram significativamente o ambiente da sala de aula: a inteligência artificial, em especial, a generativa. Ainda recente em seu uso cotidiano, essa tecnologia já provoca uma verdadeira revolução, reconfigurando práticas, acelerando processos e abrindo novas possibilidades para estudantes, professores e gestores.
Segundo informações da 15ª edição da pesquisa TIC Educação, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Ceticbr), cerca de 70% dos estudantes do ensino médio já utilizam ferramentas de IA generativa para estudar e pesquisar conteúdos escolares. Apesar dessa presença significativa, apenas 32% desses alunos receberam alguma orientação nas escolas sobre como utilizar a tecnologia de forma segura e responsável. Esse dado evidencia um ponto crucial: a inovação chega rapidamente à vida dos jovens, mas nem sempre acompanhada de diretrizes claras. Cabe à escola e aos seus educadores encontrar caminhos para equilibrar o entusiasmo pelo novo com práticas que fomentam a crítica e a ética.
Nesse processo, os professores assumem papel central. Muitos já têm recorrido a diferentes modelos de IA para otimizar tempo e ampliar repertórios pedagógicos. O recurso é empregado na produção de materiais de apoio, como resumos, infográficos, slides, composições musicais e narrativas; na criação de avaliações; e em sugestões metodológicas para desenvolver habilidades que facilitam a assimilação dos conteúdos. Ao interagir com a tecnologia, o docente refina os resultados, seleciona o que é mais adequado e adapta às necessidades da turma, ganhando tempo para enriquecer a didática em sala de aula e proporcionar um acompanhamento individualizado dos estudantes.
Entretanto para que esse movimento seja consistente, é preciso também olhar para a gestão. Diretores e coordenadores enfrentam o desafio de estruturar políticas internas que apoiem o uso seguro e ético da IA, ao mesmo tempo em que promovem espaços para que os professores possam experimentar e explorar novas possibilidades. Um levantamento global realizado pela Unesco em 2023, com mais de 450 escolas e universidades, revelou que menos de 10% dessas instituições possuem políticas de governança em IA que estruturam e formalizam diretrizes sobre seu uso. Esse dado reforça a urgência de criar parâmetros claros e de investir em capacitação docente, além de estabelecer trilhas personalizadas de aprendizagem e monitorar o uso responsável da tecnologia. Só assim será possível transformar o potencial da IA em benefícios concretos para a escola e para cada estudante.
Do ponto de vista dos alunos, a IA aparece como um grande apoiador do processo de aprendizagem. Ferramentas podem ser utilizadas para criar exercícios personalizados e propor trajetórias de estudo adaptadas ao ritmo e às dificuldades de cada estudante. Essa personalização tem efeito direto na motivação, pois aumenta o engajamento e fortalece a autonomia, permitindo que cada jovem gerencie seu próprio processo de aprendizagem de forma mais consciente e crítica.
Contudo, a introdução da IA também exige atenção ética e pedagógica. O risco de plágio, a produção de conteúdos falsos ou a dependência excessiva da tecnologia são ameaças reais. Nesse cenário, a escola precisa se posicionar como mediadora, equilibrando inovação e responsabilidade. A IA deve ser um recurso de apoio, nunca um substituto do pensamento crítico do estudante ou da orientação do professor. O grande desafio está em ensinar o aluno a usar a tecnologia como parceira de criação, ampliando seu raciocínio, e não o delegar à máquina.
Preparar os jovens para lidar com essa tecnologia de forma crítica, portanto, é essencial. Isso implica desenvolver letramento digital e algorítmico, estimular a educação digital e midiática e conscientizar os estudantes sobre os vieses presentes nas ferramentas de IA. Mais do que dominar técnicas, trata-se de formar cidadãos capazes de formular boas perguntas, problematizar conteúdos e usar a tecnologia de maneira estratégica, colaborativa e segura.
As próximas tendências já despontam, como a maior sofisticação dos conteúdos, integração de múltiplas linguagens (texto, imagem, som), experiências imersivas com realidade aumentada e virtual, além de soluções em que a IA assume o papel de tutora contínua. Para os gestores, isso significa planejar a implementação tecnológica de forma estratégica, avaliando impactos pedagógicos, promovendo a formação docente contínua e garantindo que as políticas de uso responsável acompanhem o ritmo acelerado da inovação.
O futuro da educação será escrito a muitas mãos, humanas e digitais. No entanto, ele dependerá da forma como gestores e educadores escolhem utilizar a tecnologia: como uma aliada que potencializa a aprendizagem e o desenvolvimento, ou apenas como um atalho que fragiliza autonomia e protagonismo estudantil. Nesse contexto, a escola reafirma seu papel como espaço privilegiado para promover reflexão crítica, desenvolvimento ético e ampliação das oportunidades de aprendizagem, preparando os estudantes para um mundo cada vez mais tecnológico.
*_Gerente de Assessoria Pedagógica no _Bernoulli Educação