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Para avançar em 2026, inovação pedagógica deve vir acompanhada de conectividade, inclusão e formação docente qualificada

[Débora Thomé]

O ensino híbrido no Brasil entra em uma nova fase. Em 2026, o chamado “Ensino Híbrido 2.0” já não poderá se resumir à combinação entre aulas presenciais e remotas, mas à integração de inteligência artificial, plataformas adaptativas e recursos imersivos. No entanto, a promessa de inovação corre o risco de aprofundar desigualdades se não vier acompanhada de políticas robustas de equidade digital.

A pesquisa TIC Educação 2024, realizada pelo Home , mostra que sete em cada dez estudantes do Ensino Médio já recorrem a ferramentas de IA generativa como ChatGPT, Copilot e Gemini para pesquisas escolares. Mas apenas um terço afirma ter recebido orientação pedagógica sobre o uso dessas tecnologias. O dado revela uma lacuna entre o acesso e a mediação crítica, que pode impactar diretamente a formação de uma geração.

Outro ponto de atenção é a mudança nos hábitos de pesquisa: 72% dos alunos afirmam usar plataformas de vídeo como YouTube e TikTok como fonte principal de informação, praticamente empatando com buscadores tradicionais. Para Daniela Costa, coordenadora da TIC Educação, os resultados “corroboram a centralidade das escolas no debate sobre os impactos do uso de telas no desenvolvimento cognitivo e psicossocial de crianças e adolescentes”.

Nesse cenário, garantir infraestrutura tecnológica, formação docente e políticas públicas consistentes é um desafio estratégico. Como resume o head de Pedagogia da Proz Educação, Luciano Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultor em inovação educacional, “um modelo híbrido inovador deve integrar dimensões física, digital e social, no qual o professor se torna curador de experiências e o aluno, orquestrador da tríade de inteligências: individual, coletiva e artificial”.

Equidade digital: conectividade, formação e políticas públicas

Os avanços recentes em conectividade são relevantes, mas insuficientes. A TIC Educação 2024 indica que 96% das escolas brasileiras têm acesso à internet, com forte expansão nas redes municipais e rurais. Porém, a qualidade ainda compromete o uso pedagógico: em 34% das escolas municipais, a rede não suporta muitos acessos simultâneos; em 39% das estaduais, o sinal não chega a todas as salas; e 18% dos gestores relatam falta recorrente de manutenção dos equipamentos.

A disponibilidade de dispositivos também segue desigual. Apenas 62% das escolas de Ensino Fundamental e Médio possuem ao menos um computador para atividades educacionais dos alunos, proporção que cai para 33% nas áreas rurais. Essa limitação amplia o risco de exclusão digital, sobretudo em territórios vulneráveis.

Para Daniela Costa, o desafio vai além da conexão. “É necessário qualificar o acesso, permitindo atividades mais diversificadas e adequadas aos objetivos educacionais, além de garantir recursos e oportunidades de formação contínua para que os professores adotem tecnologias de forma crítica, segura e criativa”, afirmou.

Nesse esforço, a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (ENEC), articulada pelo Ministério da Educação (MEC), prevê investimentos de R$ 8,7 bilhões até 2026, com meta de universalizar a conectividade. Ainda assim, especialistas alertam que só a infraestrutura não basta: é preciso garantir formação docente e políticas pedagógicas que integrem a tecnologia ao currículo, em vez de tratá-la como acessório.

Gestores como protagonistas da transformação híbrida

A transformação digital das escolas depende, sobretudo, de liderança. Para Luciano Meira, inovação não é adotar tecnologias, mas “uma mudança cultural catalisada por novos processos”. Isso exige gestores capazes de enfrentar resistências institucionais, legitimar práticas inovadoras e evitar o simples “copiar e colar” de soluções externas.

Ainda de acordo com Meira, o protagonismo da gestão se expressa em três frentes: legitimar novas normas profissionais, incentivar a experimentação de professores em ambientes seguros e questionar a “gramática invisível” que ainda organiza a escola em estruturas rígidas de idade e disciplinas. “A transformação não é sobre soluções externas, mas sobre desenvolver uma cultura interna de adaptação, reinvenção e disrupção”, afirmou.

Outro ponto central é colocar os educadores no epicentro da mudança. “O fator crítico de sucesso sempre será o fator humano. A tecnologia pode ser disruptiva, mas não opera sem participação docente. É preciso empoderar professores como curadores e mentores, ao mesmo tempo em que garantimos acesso equitativo à infraestrutura digital”, reforçou Luciano Meira.

A ENEC prevê conectar até todas as escolas públicas até 2026, priorizando regiões remotas, com apoio financeiro e infraestrutura via fibra óptica ou redes via satélite, além do fornecimento de energia alternativa. Apesar disso, redes e escolas que adotam políticas estruturadas para promover conectividade, formação e integração das tecnologias no currículo mostram avanços — como aumento de engajamento, letramento digital e ensino colaborativo quando bem implementadas.

Desafios e boas práticas na implementação híbrida

Em 2026, o Ensino Híbrido 2.0 só será sustentável se estiver calcado em justiça digital, formação consistente e infraestrutura democrática. À medida que a inovação tecnológica avança, gestores e lideranças educacionais devem garantir que políticas de conectividade, BNCC da Computação e capacitações sejam integradas ao planejamento institucional.

O desafio não é apenas adotar tecnologias — é garantir que elas sejam instrumentos de inclusão real. Só assim, o ensino híbrido poderá cumprir seu potencial como estratégia transformadora na educação brasileira.

  • Infraestrutura precária: muitas escolas não suportam uso simultâneo da internet por turmas inteiras;
  • Capacitação docente insuficiente: 43% dos gestores relatam habilidades digitais em nível inicial entre professores, e quase metade declara que as capacitações não impactaram práticas pedagógicas;
  • Desigualdade regional: texturas distintas de conectividade entre áreas rurais e urbanas geram uso desigual da tecnologia e impactam diretamente o aproveitamento eficaz do híbrido 2.0.

O risco de aprofundar desigualdades permanece, mas também há oportunidades de reinvenção. Ao lado de políticas públicas como a ENEC, cabe aos gestores escolares conduzir processos de transformação que articulem infraestrutura, cultura pedagógica e protagonismo docente. Só assim o Ensino Híbrido 2.0 poderá cumprir sua promessa de ser não apenas tecnológico, mas inclusivo e sustentável.

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