Constanza Hummel traz para a Coluna Educação Corporativa deste mês o que o novo relatório global de competências da Coursera revela sobre o futuro do RH e do T&D
Spoiler: estamos (ainda) atrasados.
Todo ano, eu leio o Global Skills Report da Coursera como quem consulta um mapa para atravessar um território em constante mutação. Sim, existem outros relatórios relevantes, mas este se destaca por ser baseado no comportamento de 148 milhões de aprendizes ao redor do mundo. WOW!
A edição de 2024 é um verdadeiro grito de alerta — e, ao mesmo tempo, um sopro de esperança. Um daqueles materiais que você lê e pensa: “precisamos repensar agora o que estamos fazendo em termos de capacitação para o trabalho”.
Vamos aos fatos: mais de 1.060% de crescimento nas matrículas em cursos de Inteligência Artificial Generativa no último ano. Isso não é tendência — é virada de chave no jeito como aprendemos, trabalhamos e nos posicionamos no mercado. E sejamos sinceros: quantas empresas você conhece que já colocaram Prompt Engineering no onboarding dos novos colaboradores?
Enquanto o mundo corre para se alfabetizar em IA, muitos departamentos de T&D ainda estão discutindo como “incluir inovação nas trilhas de aprendizagem”. A verdade é: já não se trata de incluir, mas de reformular.
IA não é modismo. É alfabetização.
A Coursera registrou que, em 2023, um novo aluno se inscrevia em um curso de GenAI a cada minuto. Em 2024, esse número quadruplicou. O mundo entendeu o recado. A pergunta é: e nós, que somos responsáveis por formar e desenvolver pessoas dentro das organizações, entendemos?
Falar de IA nas empresas não é papel exclusivo da tecnologia. O RH precisa ser protagonista dessa conversa, desenhando políticas, programas de treinamento e estratégias de capacitação com foco em IA aplicada. E não estou falando só de cursos técnicos, mas de preparar as pessoas para trabalhar com IA, usar ferramentas inteligentes, interpretar dados e tomar decisões com base em análises automatizadas.
A crise da habilidade digital é silenciosa — e profunda
O relatório aponta algo alarmante: 9 em cada 10 empregos exigem habilidades digitais — mas a maioria das pessoas ainda não as tem. Pior: muitos continuam priorizando habilidades emocionais ou comportamentais, deixando de lado as técnicas.
Sim, precisamos de resiliência, comunicação e empatia. Mas isso não pode ser desculpa para ignorar o fato de que análise de dados, cibersegurança, Python, machine learning e uso de ferramentas digitais são o novo “arroz com feijão” do mercado de trabalho. Se sua empresa ainda não criou programas internos de formação técnica para colaboradores de todas as áreas, você já está ficando para trás.
Microcredenciais: o novo MBA?
Outro dado importante: houve um salto de 69% nas matrículas em Professional Certificates. Isso mostra que as pessoas estão buscando trilhas de aprendizagem curtas, práticas e conectadas ao mercado. É o fim do diploma como único critério de empregabilidade. AMÉM!
E aqui vai uma provocação: sua empresa reconhece oficialmente essas certificações? Elas são consideradas em promoções, seleções internas, trilhas de liderança? Ou o RH ainda está preso a um modelo engessado, baseado em cursos longos e formais?
Se queremos uma cultura de aprendizado contínuo, precisamos valorizar os caminhos que os próprios profissionais estão escolhendo.
Gênero, inclusão e acesso: a outra face da transformação digital
O relatório também traz dados inspiradores sobre a redução do gap de gênero nas plataformas de aprendizagem online. Mulheres já representam 46% dos aprendizes globais na Coursera, e em países como México e Colômbia, a paridade foi atingida. Isso prova que, quando criamos ambientes acessíveis e flexíveis de aprendizagem, mais pessoas conseguem participar.
É um lembrete poderoso para quem desenha programas de capacitação: diversidade não é um módulo de curso, é um critério de estruturação. Horários flexíveis, linguagem acessível, mentoria, conteúdos adaptados — tudo isso importa.
Então, para onde vamos?
O relatório da Coursera não é só um raio-x do agora. Ele aponta rotas possíveis para o que vem pela frente. A gente pode escolher ignorar os sinais e continuar tratando T&D como “área de treinamento”. Ou pode aceitar que nosso papel é construir as competências do futuro — não com PowerPoints e coffee breaks, mas com intencionalidade, visão sistêmica e coragem.
Na minha prática, liderando a Building 8 e me relacionando com RHs e T&Ds de diferentes mercados e tamanhos, tenho visto um grande movimento para transformar a área de capacitação em um verdadeiro Polo Estratégico. Sair do modo “seguidores” para o modo “formadores”.
Desde 2023, quando palestrei no CBTD com o tema T&D Insanamente Estratégico, venho notando esse movimento crescer — mas ainda estamos longe de ter práticas consolidadas e sermos reconhecidos como tal. Não podemos arrefecer! Nesse sentido trago algumas algumas perguntas que não podem faltar no seu pensamento estratégico:
- Quais habilidades críticas para o futuro já estão sendo desenvolvidas hoje na sua organização — e por quem?
- Como o seu plano de desenvolvimento reconhece e valida as trilhas informais e as microcredenciais?
- Você se sente pronto (ou pronta) para formar times que vão trabalhar lado a lado com Inteligências Artificiais nos próximos anos?
O futuro do trabalho não vai esperar a área de T&D se organizar.
Está na hora de pararmos de justificar atrasos e começarmos a provocar avanços. A revolução das competências já começou — e nós podemos ser protagonistas dela.
Como líderes de RH e T&D, não estamos aqui só para formar talentos, mas para formar o futuro.

CEO e fundadora da Building 8. Empreendedora com mais de 20 anos de carreira na área de treinamento e desenvolvimento, fundou em 2012 a Building 8 com o propósito de apoiar empresas e profissionais a alcançarem todo o seu potencial, por meio de estratégias e experiência de aprendizagem.