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Artigo de Alessandra Borelli analisa lacunas do novo marco legal e alerta para os riscos do trabalho infantil no ambiente digital

Alessandra Borelli*

O Brasil acaba de dar um passo histórico na proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. Essa semana, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 2628/2022, conhecido como “Estatuto Digital da Criança e Adolescente – EDCA”, que agora segue para sanção presidencial. A aprovação ocorre no mesmo dia em que a Justiça do Trabalho determinou, em caráter liminar, que Facebook e Instagram sejam obrigados a não admitir ou tolerar a exploração de trabalho infantil artístico em suas plataformas sem prévia autorização judicial, sob pena de multa diária de R$ 50 mil por criança ou adolescente encontrado em situação irregular.

Esta convergência entre avanço legislativo e decisão judicial não é coincidência, mas reflexo da urgência que a pauta dos influenciadores mirins assumiu no país. Contudo, mesmo com a aprovação do EDCA, uma lacuna crítica permanece: a ausência de disposições específicas sobre trabalho infantil artístico no ambiente digital, deixando milhares de crianças brasileiras que atuam como influenciadoras sem proteções adequadas.

A decisão da juíza Juliana Petenate Salles, da 7ª Vara do Trabalho de São Paulo, que atendeu o pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), foi clara ao afirmar que manter crianças e adolescentes expostos na internet para gerar lucro “sem devida avaliação das condições em que ocorre o trabalho artístico e sem autorização da Justiça, gera riscos sérios e imediatos”. Entre os riscos citados estão os danos à saúde física e mental decorrentes da pressão para produzir conteúdo, exposição a ataques de haters, prejuízos na autoestima, impactos nos estudos e privação de atividades típicas da infância.

O Estatuto Digital da Criança e Adolescente, agora aprovado pelo Congresso Nacional, estabelece medidas importantes como verificação eficaz de idade, controle parental robusto, vinculação obrigatória de contas de usuários até 16 anos aos responsáveis legais e restrições à publicidade direcionada a crianças. O projeto prevê sanções que podem chegar a R$ 50 milhões por infração e representa o mais ambicioso marco regulatório de proteção digital infantil da América Latina. Entretanto, uma análise detalhada do texto aprovado revela que a questão específica dos influenciadores mirins permanece em zona cinzenta.

Esta lacuna se torna ainda mais preocupante quando consideramos os números brasileiros: 93% da população entre 9 e 17 anos utiliza a internet, e três a cada quatro jovens produzem conteúdo online. Quando uma criança de cinco anos acumula centenas de milhares de seguidores experimentando produtos, ou quando meninos e meninas da mesma idade mostram seus brinquedos e material escolar para dezenas de milhares de pessoas, estamos diante de um fenômeno que transcende a simples diversão infantil e adentra o território do trabalho profissional.

A monetização destes conteúdos ocorre através de parcerias pagas com marcas, publicidade de produtos infantis, participação em campanhas publicitárias e venda de produtos próprios. As plataformas se beneficiam diretamente desta atividade através da monetização resultante, mantendo uma conduta omissa ao não adotar o devido dever de diligência. Importante enfatizar que o MPT foi preciso ao afirmar que o objetivo não é proibir a participação artística de crianças, mas permitir que ela ocorra com a proteção devida, aplicando ao ambiente digital as mesmas salvaguardas já estabelecidas para o trabalho artístico tradicional.

O caso ganhou repercussão nacional após o vídeo do influenciador Felipe Brassanim Pereira, conhecido como Felca, viralizar nas redes sociais trazendo discussões sobre “adultização”, termo que define quando menores de idade são submetidos a situações que forçam a aceleração do desenvolvimento infantil. Este episódio funcionou como catalisador para um debate que já vinha sendo construído por especialistas e órgãos de proteção.

A literatura científica apresenta evidências crescentes de que o uso precoce, excessivo e prolongado de telas pode ser prejudicial ao desenvolvimento cerebral, mental e psicossocial de crianças e adolescentes. Quando esta exposição está associada à pressão por produção de conteúdo e performance digital, os riscos se amplificam significativamente. A pressão por manter relevância digital pode gerar ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos em crianças que ainda não desenvolveram mecanismos adequados de enfrentamento.

Com a aprovação do Estatuto Digital da Criança e Adolescente, o Brasil terá em breve uma das legislações mais avançadas do mundo para proteção de crianças no ambiente digital, mas a decisão judicial desta semana estabelece um precedente importante, mas não substitui a necessidade de uma regulamentação específica.

O momento é de celebração pelo avanço representado pelo Estatuto Digital da Criança e Adolescente, mas também de reconhecimento de que o trabalho está longe de terminar. A questão dos influenciadores mirins não é um problema que se resolverá espontaneamente e com o crescimento exponencial do mercado digital e o surgimento de novas plataformas e tecnologias, a tendência é que se torne ainda mais complexa, sendo fundamental que o governo, ao regulamentar a nova lei, inclua diretrizes específicas sobre influenciadores mirins.

O futuro de milhões de crianças brasileiras que crescem na era digital depende de nossa capacidade de transformar este marco legal em proteção real e efetiva.

***Advogada especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, sócia e CEO da **Opice Blum Academy** e sócia do **Opice Blum Advogados.

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