A educadora e fundadora da BvStaa, Betina von Staa, traz uma reflexão importante para o atual momento de revolução tecnológica na Educação
Betina von Staa*
A inteligência artificial generativa veio para ficar
Quem não aprender a lidar com esta inovação vai ficar para trás
A inteligência artificial vai afetar os empregos atuais
A inteligência artificial vai criar empregos novos
Sim, tudo isso é verdade. Mas qual é o perigo, de fato, deste brinquedo novo que a humanidade arrumou para si?
Vamos em etapas.
Desde que existem calculadoras portáteis, deixou de fazer sentido fazer cálculos de cabeça no ambiente de trabalho. Ninguém precisa incorrer em erros de conta em uma loja ou em um escritório.
No entanto, se uma pessoa não aprendeu a fazer cálculo mental, mesmo que estimado, ela terá muita dificuldade de manter seu orçamento ao ir ao supermercado, ao negociar descontos na feira ou ao realizar pensamentos lógicos que dependem de cálculos. Um problema e tanto para o cidadão comum e para qualquer profissional.
Com a internet e as redes sociais, passamos a nos conectar com facilidade com quem estava longe, passamos a ter acesso a quantidades incríveis de informações, ficamos com os cérebros lotados e nos descuidamos um pouco de quem está perto. Resultado: muito acesso à informação não verificada, democratização de alguns serviços públicos, inclusive educação, famílias e amigos remotos conectados, cumprimentos de aniversário nas redes sociais, redução das conversas em família, na escola e no trabalho, interação editada por meio de texto, fotos, áudios, vídeos e muita ansiedade, tédio, superficialidade e polarização. Um problema e tanto para o indivíduo e para a sociedade.
Agora chegou a inteligência artificial generativa que permite que a pessoa nem produza seu próprio texto escrito ou a sua fala. Já podemos escrever parágrafos e textos sem erros gramaticais, traduzir textos de uma língua para qualquer outra, solicitar sínteses de notícias, textos acadêmicos etc. E pedir para a máquina concluir uma venda lá junto aos clientes. Aquelas atividades cansativas de escrever textos, editar, escrever de novo, resumir, traduzir, checar, mandar um recado para a mãe ou para um amigo não precisam mais ocorrer. E acabou o nosso medo de errar e de se expor ao ridículo, por não dominar a norma culta da língua.
É preciso fazer a pergunta: o que acontece com quem abre mão da sua linguagem? Já sabemos o que acontece com quem abre mão de interagir ou de calcular, mas linguagem é outra coisa.
Vamos ao conhecimento linguístico que a humanidade acumulou ao longo dos séculos: a linguagem é fator distintivo do ser humano, é inata, mas é aprendida e enriquecida na interação. Linguagem e pensamento andam juntos. É através do diálogo com o outro (linguagem usada em situações de diferença simultânea de opiniões, visão de mundo, cultura) que nós construímos quem somos – e quanto mais do outro temos em nós, mais somos nós mesmos.
Deu para ver o que vai nos faltar se abrirmos mão de produzir a nossa linguagem e de interagir com outros indivíduos por meio da linguagem oral e escrita? Nós mesmos. Um problema e tanto para o ser humano.
É claro que vamos usar inteligência artificial em diferentes esferas do nosso trabalho e no cotidiano, mas, se quisermos manter a nossa humanidade, é recomendável:
Ler romances;
Assistir séries e novelas (brasileiras, coreanas, turcas ou mexicanas);
Ler textos minimamente* argumentativos e relativamente longos como editoriais, artigos acadêmicos;
Discutir (aiaiai!) política e mudanças climáticas com os amigos na mesa do bar;
Falar da vida com a família;
Prever o resultado das eleições americanas com o motorista do Uber ou do taxi;
Cumprimentar e reclamar do calor com a/o atendente do supermercado, a/o porteira (o), a/o frentista, a/o gari (enquanto não forem substituídos por máquinas), simplesmente para reconhecermos a existência deles e a nossa!
E, por favor, conversar e deixar outras pessoas conversarem com os seus bebês – sobre qualquer assunto!
Abrir mão do diálogo é abrir mão de nós mesmos. Ele não pode ser tirado de nós. O preço será muito alto.
*frase de Nathalie Fernandes
****Educadora e fundadora da **BvStaa, consultoria para o desenvolvimento de aprendizagem híbrida e digital