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Este é o primeiro texto da coluna Gestão Inovadora, do portal Educador21, onde pretendo abordar temas e questões que sejam relevantes para todos os que atuam na educação e se interessam pelo desafio da inovação, seja nas escolas, universidades, empresas ou nos cursos livres

Há quase dez anos me dedico a projetos de inovação na aprendizagem: em alguns momentos como professor e pesquisador; em outros como empreendedor e consultor. Atualmente, sou fundador e diretor executivo da Rede Escola Hub, uma rede de escolas de ensino básico que nasceu com uma proposta pedagógica inovadora, organizando o trabalho escolar de novas formas, eliminando as aulas (e a organização do tempo em blocos de 50 minutos), as disciplinas (pois tudo surge de forma interdisciplinar no cotidiano dos estudantes), as salas de aula (só existem coworkings e laboratórios), as provas (o modelo de avaliação é formativo e acontece a todo momento), e as aulas expositivas (pois todos os estudantes aprendem através de projetos reais).

. Como é um bom design de sala de aula na era do distanciamento social?

A experiência com inovação na aprendizagem na Escola Hub se soma a outras que anteriormente tive a oportunidade de vivenciar, principalmente no Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio de Janeiro, onde atuei por três anos como diretor de inovação pedagógica, e na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), também no Rio de Janeiro, como professor, pesquisador e representante no Consórcio STHEM Brasil.

Mas se soma também a um interesse que me acompanha desde meu início profissional na área de marketing, antes de realizar transição de carreira para a área educacional, quando trabalhava na L’Oréal Brasil: inovação, serviços e inovação em serviços. Apesar da repetição das palavras, três conceitos distintos entre si, e cruciais para se entender abordagens contemporâneas de inovação na aprendizagem e o que eu tenho chamado de dilema da inovação na educação.

Inovação, Serviços e Inovação em Serviços

A inovação costuma ser definida tanto como processo quanto como resultado. É compreendida como processo por ser baseada na identificação de uma oportunidade ou problema que possa ser respondido com a invenção/criação de algo novo. Este “algo novo” pode consistir numa técnica, num produto, serviço ou tecnologia. Ao mesmo tempo, pode ser considerada como resultado, pois tal invenção/criação deve gerar valor para usuários e sociedade ao ser utilizada. Portanto, também podemos definir inovação como uma invenção/criação que gera valor para a sociedade.

Serviços são atividades econômicas que uma parte oferece a outra, geralmente baseadas no tempo, em que o desempenho daquele que realiza o serviço traz benefícios e resultados aos destinatários. A principal característica dos serviços é a dimensão intangível. Serviços não podem ser estocados. Mesmo sendo prestados de forma contínua, dificilmente serão exatamente iguais, assim como um mesmo serviço, de uma mesma organização, pode variar de acordo com o profissional que o realiza na ponta. Serviços são produzidos e consumidos ao mesmo tempo.

Portanto, a inovação em serviços envolve tanto novos processos quanto novos resultados para aqueles que recebem o serviço, através de novas formas de se produzir e consumir (lembrando que aqui consumir não significa necessariamente comprar; quando estamos em um hospital público, mesmo que não tenhamos que realizar pagamentos financeiros, estamos consumindo o serviço de saúde pública).

Inovação em Serviços Educacionais

A educação é um serviço. Mesmo no caso de escolas públicas, trata-se de um serviço prestado pelo governo às famílias e estudantes. Mesmo no caso de educação online assíncrona, um serviço é prestado, dado que profissionais que detém determinados conhecimentos atuam para construir uma experiência de aprendizagem para os estudantes.

É justamente por ser um serviço que a inovação na educação se apresenta como mais desafiadora. Serviços envolvem pessoas, principalmente aqueles que são classificados como relativamente puros, ou seja, que não possuem produtos e elementos tangíveis como fatores cruciais no processo da prestação de serviços, como é o caso de consultorias, pesquisas, serviço de babá, entre outros.

A essência do serviço educacional está na atuação do professor e na experiência criada durante as aulas com os estudantes. Assim, qualquer inovação na educação passa necessariamente por formação, treinamento e preparação dos educadores para o serviço possa ser efetivamente realizado. Mesmo que a inovação em questão se trate da adoção e uso de aplicativos, sistemas, jogos ou qualquer tipo de recurso digital ou tangível, ainda assim, será necessário inseri-los no contexto da prestação de serviços do professor.

O Dilema da Inovação na Educação

Clayton Christensen foi professor e pesquisador da universidade de Harvard. Seu trabalho trouxe muitas contribuições ao campo da gestão, com destaque para os conceitos de inovação disruptiva, paradigma problema-solução e dilema da inovação. Este último, tão importante, transformou-se em livro obrigatório na formação de especialistas em inovação organizacional.

O professor Christensen, durante suas pesquisas, coletou evidências de que empresas que lideram seus mercados raramente são capazes de promover inovações relevantes. Ele chamou isso de dilema da inovação: se uma empresa possuí uma boa posição, ou mesmo a liderança de seu mercado, é por ser capaz de executar muito bem seu modelo de negócios e consequentemente entregar uma proposta de valor relevante para seus clientes.

Implementar inovações significa mudar, ou seja, deixar de fazer as atividades que levaram a empresa a liderar seu mercado e ser querida por seus clientes.

Isto leva os gestores de tais organizações a sofrerem um tipo de dissonância cognitiva que o professor Christensen chamou de dilema da inovação: inovar significa, na mente dos executivos de empresas bem-sucedidas, matar o que dá certo em prol de algo que ainda é repleto de riscos; destruir o que garante o sustento de todos. E justamente por isso o conceito pode ser útil em uma reflexão sobre dificuldades da inovação na educação.

Como já discutido anteriormente, um dos maiores desafios da inovação em serviços passa pela formação e treinamento dos indivíduos que atuam na ponta, na entrega efetiva do serviço. Se uma empresa decide adotar uma inovação em seu escopo de serviços, é necessário que todos os profissionais mudem sua maneira de trabalhar.

Quando determinados colaboradores são reconhecidamente talentosos pela prestação de serviços e suas empresas decidem adotar inovações, podem sofrer do dilema da inovação: “Sou bom no que faço, gero resultados, meus clientes estão satisfeitos, e agora me pedem para mudar e fazer algo que ninguém sabe se funcionará bem”. É assim que muitos pensam.

Pois bem, o cenário se torna mais complexo no contexto da educação. Professores, além de normalmente serem indivíduos vocacionados, também desenvolveram suas habilidades didáticas ao longo de muitos anos e horas de prática em sala de aula. Construíram repertório para lidar com os conteúdos mais difíceis e mediar os momentos críticos na relação com estudantes.

Implantar inovações significa, muitas vezes, levar estes educadores a terem que abandonar aquilo que levaram anos para construir e que os faz serem reconhecidos como bons. Principalmente os que são tidos como melhores.

Os melhores professores são justamente os mais ameaçados pelas inovações na aprendizagem. Abrir mão daquilo que os diferenciam profissionalmente pode ser extremamente desestimulante e ameaçador.

Da mesma maneira, o dilema da inovação também se manifesta nas famílias. Quando os pais de uma criança escolhem uma escola para o filho, ou estimulam o jovem a prestar concurso para determinada universidade, fazem isso pensando no histórico, na tradição, em tudo aquilo que sabem e conhecem a respeito da instituição.

Ao receberem a notícia de mudanças pedagógicas, normalmente são acometidos por certa insegurança, e vivem também o dilema da inovação às avessas: “Eu escolhi esta escola/universidade para meu filho pelo o que ela sempre fez e deu certo. Agora querem mudar e implementar algo que não sabem se realmente funciona? Meu filho será cobaia?”.

Como escapar do dilema?

Toda inovação traz consigo mudanças. De comportamentos, de usos, de costumes, de rotina, de problemas, de soluções, de hábitos, entre tantos outros. No contexto dos serviços, a inovação exige uma mudança que por vezes é dolorosa e desconfortável naqueles que prestam o serviço.

Há décadas investigando o tema da mudança na educação, o professor norte-americano Michael Fullan, concluiu que o caminho para construir processos de mudança em escolas e universidades passa sempre pelas pessoas, ou melhor: na construção de um significado relevante que a mudança possa vir a ter para as pessoas.

Para escapar do dilema da inovação, os envolvidos no processo precisam enxergar sentido, propósito na mudança. A inovação em questão precisa, de alguma maneira, representar prosperidade e sentido que justifique todo o esforço e todo o risco.

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