Na Coluna Engenharia Educacional, Marcel Costa explica como práticas de fluxo evitam lacunas, reduzem retrabalho e ampliam o impacto real das aulas
Durante décadas, construímos a escola possível, aquela que nasceu das urgências, do que era viável implementar naquele momento, e não de um projeto sistêmico desenhado de ponta a ponta.
Gestores, coordenadores e professores fizeram o que foi preciso para manter o processo funcionando, muitas vezes corrigindo o avião em pleno voo.
O problema é que, ao longo desse processo, acumulamos pequenas perdas invisíveis: lacunas que avançam de série em série, repetições sucessivas do mesmo conteúdo e uma sensação generalizada de que se trabalha muito, mas o aprendizado não avança na velocidade desejada.
Nenhum desses pontos nasce por descuido. Na verdade, são frutos das pressões e limitações reais do cotidiano escolar. Ainda assim, quem está em sala de aula sente que falta algo: um jeito mais simples, mais claro e mais leve de organizar o fluxo de aprendizagem.
Foi observando essas necessidades que nasceram as práticas inspiradas na Engenharia Educacional, uma maneira de reorganizar aquilo que já fazemos, usando o mesmo tempo, os mesmos recursos e a mesma equipe.
O que muda quando olhamos o aprendizado como fluxo, e não como sequência de páginas
Ao assumir que cada turma avança como um sistema, com entradas (o que o aluno traz, sua situação e condição), processos (as aulas e estudos) e saídas (o que ele é capaz de fazer de maneira efetiva) fica mais fácil entender por que tantos professores descrevem a mesma cena:
- Parte da turma com lacunas básicas;
- Parte entediada;
- E, o planejamento preso ao currículo prescrito, mesmo quando a prática sinaliza outra necessidade.
Esse descompasso não é culpa de ninguém. Ele surge porque historicamente organizamos o ensino pelo tempo disponível, não pelo que o aluno consolidou. A boa notícia é que há pequenos ajustes, totalmente viáveis, que fazem diferença imediata na sala de aula, sem depender de grandes reformas ou investimentos.
Algumas práticas simples que cabem em praticamente qualquer contexto:
- Sondagens curtas e frequentes
Bastam 3 a 5 questões quinzenais, focadas nos pontos estruturais do conteúdo e nas habilidades principais a serem desenvolvidas.
- Elas não servem para atribuir nota, e sim para revelar onde a turma realmente está.
- Com essa informação, a aula deixa de ser “repetição completa” e passa a ser ajuste fino, economizando tempo e energia.
- A partir desse diagnóstico, é possível agir sobre os pontos essenciais que não foram assimilados, evitando formação de lacunas antes da avaliação. Ou seja, não deixar brechas em sala de aula.
- Planejar por lacuna, não por capítulo
Em vez de abrir o livro na próxima página por inércia, vale perguntar:
- “O que meus alunos já dominam?”
- Conhecendo como são e do que precisam saber, o que é prioritário e possível abordar hoje?
- Qual é o próximo degrau mínimo para destravar o avanço?
Esses simples deslocamentos reduzem repetições improdutivas e aumentam o impacto de cada aula.
- Microciclos de revisão
Reservar 10 a 15 minutos no início de cada aula para revisar o conteúdo essencial da aula anterior e corrigir 1 ou 2 exercícios-chave.
Esse microciclo de retomada funciona como um sistema de manutenção preventiva da aprendizagem: elimina lacunas antes que se transformem em retrabalho, estabiliza o fluxo cognitivo e reforça a memória de longo prazo.
Esse pequeno ritual impede que as lacunas se acumulem em silêncio e apareçam apenas às vésperas da prova. É uma prática pequena, mas de enorme poder preventivo.
- Cultivar uma cultura de erro produtivo
Transformar o erro em dado, e não em diagnóstico de incapacidade. Isso é um valor imprescindível, uma vez que mostra para a turma os pontos que precisam ser ajustados, sem tom punitivo. O professor ganha adesão, cria um ambiente de segurança psicológica, diminui a ansiedade e libera energia cognitiva para aprender.
Esse ponto, inclusive, prepara um terreno emocional mais estável, algo que pesquisas mostram ser determinante para o desempenho e aprendizagem.
- Reorganizar prioridades para ampliar o contato humano
Muitas escolas minimizam o contato direto com famílias por razões compreensíveis. Mas dentro da sala, o professor é o ponto de contato mais sensível e constante do aluno. Ele tem informações sobre o aluno que contribuem ou atrapalham o processo de aprendizagem e que em sua maioria não são usadas sistemicamente.
Ao aplicar as técnicas acima, começa a existir um espaço extra, um tempo a mais em sala de aula que não existia antes. Essa “brisa fresca” acontece sem perda de rendimento real porque o foco foi no que é essencial, prioritário e possível, com muito do desperdício eliminado.
Assim, abre-se espaço para algo precioso:
- Olhar mais atento ao ritmo da turma;
- Escuta ativa sem pressa;
- Pequenos ajustes de encorajamento que fazem enorme diferença.
Esse acréscimo de presença, mesmo que em minutos, tem efeito direto no engajamento e na autoestima dos alunos.
Levantamento e uso de informações sobre como os alunos estão e como estão aprendendo podem ser usadas na sequência. O feedback do aluno para o professor.
Alunos felizes engajam e rendem mais. Especialmente se, além disso, estiverem bem orientados e em contato mais próximo com o professor, o suficiente pra sentir que seus esforços estão sendo vistos e apreciados. O feedback do professor para o aluno.
Um ponto de reflexão para gestores e coordenadores
Se o professor é o ponto de contato com o aluno, gestores são o ponto de contato com os professores.
Ao criar espaços seguros de troca, onde docentes possam relatar travas, padrões observados e potenciais soluções, a escola passa a operar como um organismo inteligente, que aprende com sua própria experiência.
Não é sobre apontar culpados, e sim sobre fortalecer a rede interna de informações que já existe, mas muitas vezes permanece silenciosa.
Resultados que têm se repetido quando o fluxo é reorganizado
Quando essas práticas são adotadas de forma consistente, mesmo em contextos diferentes, alguns padrões aparecem:
- Alunos estudam menos horas dispersas e rendem mais;
- O professor sente menos necessidade de “recomeçar do zero” o conteúdo;
- O desempenho se torna mais previsível (menos surpresas na prova);
- Há maior estabilidade emocional na turma;
- As lacunas deixam de ser “sustos tardios” e passam a ser parte visível do processo, onde podem ser corrigidas a tempo.
Esses benefícios não dependem de tecnologia específica, embora ferramentas digitais possam facilitar parte do trabalho. O que sustenta tudo é a lógica de medir, ajustar e seguir, um princípio simples, herdado do olhar sistêmico que originou a Engenharia Educacional.
Um convite final: esperançoso, mas realista
A escola brasileira foi construída com esforço genuíno de gerações de educadores. O que propomos aqui não é uma ruptura, mas um afinamento: transformar o que já existe em algo mais leve, mais previsível e mais humano.
Nenhum professor precisa mudar o mundo sozinho. Mas, cada professor pode, com práticas pequenas, inteligentes e possíveis, mudar o fluxo de aprendizagem da sua turma. E acredite: essa diferença pode ser brutal. E, quando isso acontece, mesmo sem grandes alardes, a escola toda se reorganiza em torno do que realmente importa: o aluno aprendendo de verdade.

Marcel Raminelli Costa é CEO da IntegralMind, professor e engenheiro formado na Poli-USP.










