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Gestores e professores enfrentam sobrecarga e adoecimento. Políticas institucionais de cuidado coletivo se tornam urgência em 2026

[Débora Thomé]

Uma pesquisa inédita do Instituto Educbank de Educação e Cultura, em parceria com a Great Place to Study, trouxe à tona um retrato preocupante da saúde mental escolar: sentimentos de cansaço, ansiedade e isolamento predominam entre estudantes, professores e famílias. “Não podemos mais normalizar o sofrimento como parte do aprendizado”, afirmou Lara Crivelaro, diretora acadêmica do Instituto, ao comentar os resultados.

Os dados convergem com outros levantamentos nacionais. Um estudo de 2022 (Ipec/Itaú Social) revelou que 71% dos docentes da rede pública se sentiam estressados, sendo que 18% consideraram o apoio psicológico prioridade nas políticas educacionais — índice superior ao de melhores salários. Já um estudo recente, realizado em 2025 pela Fundação um Carlos Chagas, Itaú Social e Associação D³e, mostrou que educadores chegam a atender até 300 alunos por ano, o que contribui diretamente para o adoecimento mental, emocional e físico da categoria.

Mais do que episódios isolados, especialistas falam em uma crise silenciosa que ameaça o papel da escola como espaço formador de vínculos significativos. Entre os estudantes, cresce a perda de pertencimento; entre os professores, um paradoxo se instala: o prazer de ensinar convive com a exaustão estrutural que compromete sua permanência.

Diante desse quadro, a saúde emocional de educadores deixa de ser esforço individual e passa a ser entendida como indicador institucional de qualidade da educação. Ignorar essa urgência significa comprometer tanto o bem-estar docente quanto o engajamento dos estudantes e os próprios resultados de aprendizagem.

Escuta ativa e reorganização da rotina escolar

No lugar de ações pontuais ou de caráter motivacional, escolas e redes de ensino começam a adotar práticas consistentes de escuta e redistribuição de tarefas. Pesquisas indicam que instituições que promovem espaços de diálogo institucionalizado apresentam menor índice de absenteísmo e maior engajamento de suas equipes.

Para Fabiana Santana, assessora pedagógica do programa de educação socioemocional Líder em Mim, o primeiro passo é reconhecer que a saúde emocional dos professores depende de um ambiente de confiança. “É importante incentivar uma cultura de diálogo aberto e sem julgamentos sobre saúde mental, em que os professores se sintam seguros para compartilhar suas experiências e procurar ajuda, desmistificando preconceitos e mostrando que o apoio é ferramenta de prevenção e bem-estar”, disse a especialista.

Nessa perspectiva, rodas de conversa, encontros coletivos de acolhimento e revisões colaborativas da rotina escolar são exemplos de como o cuidado pode ser incorporado ao cotidiano. O protagonismo dos gestores é central: cabe a eles identificar sinais de exaustão, promover práticas de escuta ativa e articular redes de apoio para combater o isolamento profissional.

Mais do que iniciativas de curto prazo, especialistas defendem que a construção de ambientes de escuta precisa ser permanente, alinhada a políticas institucionais claras e integrada ao projeto pedagógico da escola.

Formação e apoio institucional contra o adoecimento

Além da reorganização de rotinas, a formação continuada e o suporte institucional aparecem como elementos-chave para prevenir o desgaste emocional. Fabiana Santana defendeu programas que ajudem professores a gerir emoções e lidar com o estresse cotidiano, envolvendo também coordenadores e gestores. “Capacitar lideranças a identificar sinais de desgaste e promover o bem-estar coletivo pode ser um grande diferencial para que o apoio não seja pontual, mas gradativo e frequente”, afirmou.

A consultora pedagógica Andressa Abraão, do Laboratório Inteligência de Vida (LIV), complementou que inteligência emocional deve ser encarada como processo contínuo, não como técnica isolada. “Trata-se de desenvolver pilares como autoconhecimento, empatia e autorregulação. Quanto mais a escola cria espaços seguros de fala e escuta, mais professores e gestores conseguem nomear, identificar e construir coletivamente práticas de inteligência emocional que façam sentido para sua comunidade”, pontuou especialista.

Andressa ainda destacou que práticas simples — como pausas coletivas para respiração consciente, combinados para reduzir situações estressoras ou rodas semanais de compartilhamento — podem ter efeito profundo no clima escolar. O essencial, afirma, é que sejam flexíveis e adaptáveis à realidade de cada instituição.

A combinação entre formação, inteligência emocional e apoio institucional fortalece o bem-estar docente, reduz a sensação de isolamento e favorece um ambiente escolar mais saudável, sustentável e produtivo.

Bem-estar como política estruturante da escola

Se a saúde emocional era vista como responsabilidade individual, agora se consolida como pauta estratégica de gestão escolar. Para Andressa Abraão, a chave está em transformar o cuidado em prática coletiva e estruturada. “Quando a comunidade escolar é colocada no centro, práticas de escuta, acolhimento e corresponsabilidade deixam de ser ações pontuais e passam a compor a identidade da instituição”, explicou.

Exemplos como o projeto Cuidar de Quem Cuida, desenvolvido pelo LIV, mostram como programas estruturados podem impactar o engajamento e o clima escolar. A iniciativa reúne especialistas de diferentes áreas e oferece encontros, conteúdos e redes de apoio voltados ao bem-estar dos professores. O resultado, segundo Andressa, é a criação de vínculos mais fortes, ambientes mais saudáveis e maior valorização da profissão.

Do ponto de vista de monitoramento, Fabiana Santana apontou indicadores essenciais: retenção de professores, satisfação e motivação, redução de absenteísmo, melhora do clima organizacional e maior criatividade nas práticas pedagógicas. Para ela, esses dados precisam ser acompanhados de forma transparente e debatidos com a comunidade escolar.

A mensagem final é clara: nenhuma inovação educacional se sustenta quando os protagonistas do processo adoecem. A saúde emocional dos professores precisa deixar de ser vista como tema sensível e passar a integrar o DNA das escolas brasileiras. Afinal, a saúde do professor é a saúde da escola.

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