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Caio Lo Bianco, idealizador e CEO do LIV, fala sobre a importância da escuta e violência escolar na Coluna do LIV de junho

Desde 2002, o Brasil registrou mais de 20 ataques em escolas, sendo que metade deles aconteceu nos últimos dois anos. Sempre que um episódio ocorre, pais, educadores e a comunidade olham para o passado, se perguntando onde foi que erraram, e tentam mudar o futuro, especulando o que pode ser feito para evitar novos casos.

Em artigo publicado no jornal O Globo, Caio Lo Bianco, idealizador e CEO do LIV, afirmou que investir na segurança armada nas escolas, por exemplo, como muitos sugerem nos momentos de crise, está longe de ser a resposta ideal. Em palestra na Bett Brasil, maior evento sobre educação e tecnologia da América Latina, ele também falou sobre prevenção da violência no ambiente escolar e destacou que um dos melhores caminhos para lidar com o tema é olhar de verdade para o jovem. E, sobretudo, oferecer a ele uma escuta atenta, capaz de identificar sinais de que algo não vai bem.

Formação docente precisa incluir a escuta

O exercício, pontuou Caio na Bett Brasil, durante o painel “A escuta para a compreensão da realidade”, não é fácil e exige uma mudança de posição do educador. “O professor não foi ensinado a escutar, foi ensinado a falar”, lembrou o fundador do LIV. Não é à toa, portanto, que se conectar verdadeiramente com a criança ou o adolescente pode ser difícil para alguns professores.

Sem meias palavras, Caio levou a plateia a refletir. “Por que é tão difícil escutar? Primeiro porque a gente não suporta uma ferida narcísica de que o outro, sobretudo o aluno, pode saber mais do que a gente. Segundo, porque quando a gente escuta, já quer oferecer uma resposta, saber o que dizer ao aluno. É muito difícil sustentar a angústia do outro, a gente já quer oferecer logo uma solução”.

Uma das maneiras de encarar o desafio de aprender a escutar é repensar o lugar que o professor se posiciona em relação ao aluno. Segundo Caio, de forma metafórica: “O professor foi ensinado a estar sempre à frente do aluno e, para escutar, é preciso que ele esteja ao lado”. Essa relação, que precisa ser construída, permite, segundo o CEO do LIV, “que se escute para além do que foi dito”.

Escolas precisam voltar a saber quem é quem

O fundador do LIV, durante sua participação na Bett Brasil, mostrou-se também preocupado com o papel das escolas, que estão adotando, na opinião dele, ações massificantes, deixando de lado as dimensões subjetivas de cada aluno.

Essa falta de um olhar individualizado, a despreocupação com o universo particular de cada aluno, pode levar o adolescente que não se sente ouvido e visto a fazer um ato violento, contra si mesmo ou contra o outro, algo que o torne mais visível.

“Muitas vezes, o apelo por reconhecimento vem sob forma de violência”, disse Caio, indagando se os gestores e educadores vem se perguntando se há espaços de fala em suas escolas. “Preservar e garantir o uso da palavra, da linguagem, é uma forma de prevenção da violência”, defendeu.

Perdidos, procurando se achar

Caio também falou no evento sobre os desafios da adolescência, período que, todos nós sabemos, não é fácil. A transição entre ser criança e adulto deixa o jovem sem um lugar social definido. E é nesse hiato, nessa falta de lugar, sem saber muito bem quem é e o que é esperado dele, que o adolescente muitas vezes recorre à violência como forma de se fazer presente.

“Como muito bem disse o psicanalista Jean Marie Forget, ‘é como se o adolescente só fosse levado a sério a partir do momento em que ele coloca a sua vida em jogo’. Ou, em alguns casos, a vida de outros”. 

Professor, o olhar socioemocional também é pedagógico

O professor nem sempre vai estar preparado para lidar com o que o aluno tem a dizer ou com as situações que surgem em sala de aula, mas, segundo Caio, isso não o exime da responsabilidade sobre o que foi falado. Por isso, explicou Caio, a formação do LIV voltada para educadores tem sempre a preocupação de desenvolver habilidades socioemocionais, como empatia.

Na sua fala na Bett Brasil, o idealizador do LIV, no entanto, ressaltou que o professor não é e nem deve ser psicólogo em sala de aula. “Existe diferença entre trabalhar questões de saúde e transtorno mental e lidar com sofrimento. Parece que a gente desaprendeu a lidar com sofrimento.

E a família, pode ficar “isentona”?

O papel dos pais na prevenção da violência também foi tema da participação de Caio. Durante a palestra “Reconhecimento dos afetos e prevenção da violência”, o CEO do LIV defendeu que é chato, pouco popular, mas faz sentido, sim, controlar as redes sociais de adolescentes e até mesmo o uso de celulares, outra proposta que está no centro dos debates sobre prevenção de violência no ambiente escolar.

“É no mundo virtual que muitos desses ataques são planejados e onde os jovens – muitas vezes rejeitados pelo meio social – estão expostos a comunidades de ódio e a uma deep web que os acolhe e dá lugar”.

A imposição de limites, destacou Caio, não é o mesmo que proibir. Ele lembrou que é sempre necessário diferenciar autoridade de autoritarismo e afirmou que as regras sobre o uso de telas devem ser construídas a partir do diálogo entre a família e o jovem.

Saúde mental dos jovens – é preciso ficar alerta

Durante a palestra na Bett Brasil, Caio também trouxe dados importantes sobre a saúde mental dos jovens e falou, inclusive, sobre um tema que costuma ser visto como  tabu – o suicídio de adolescentes. Ele lembrou que entre 2016 e 2021, houve, de acordo com o Ministério da Saúde, um aumento de 45% na taxa de mortalidade por suicídio entre jovens de 10 a 14 anos.

O aumento do diagnóstico de jovens com TDAH fez com que o consumo de Ritalina aumentasse 75% entre jovens de 6 a 16 anos, no período de 2009 a 2011, no país. Caio recorreu ao exemplo norte-americano para mostrar que os investimentos de bilhões em pesquisas de farmacologia e manuais diagnósticos não resultaram em reduções dos índices nacionais de suicídio, ansiedade e depressão.

“Os diagnósticos são importantes e o uso de medicação, em alguns casos, também. Mas os dados apresentados suplicam que tenhamos um olhar mais crítico sobre essa questão. Vivemos em uma sociedade que se habituou a recorrer ao psicologismo e à psiquiatra medicamentosa na explicação e tratamento de fenômenos complexos e multicausais”,  disse Caio.

O cuidado com a saúde mental deve ser uma preocupação desde a infância. O trabalho socioemocional desenvolvido pelo LIV nas escolas é uma boa ferramenta para ampliar o espaço de diálogo, fundamental para todos os relacionamentos.

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