Skip to main content

Mario Ghio passeia por toda a sua vasta experiência na área educacional para trazer aos nossos leitores dados sobre os modelos americano e europeu do mesmo segmento

Recentemente tivemos a promulgação da lei que ficou conhecida como a Reforma do Ensino Médio. De positivo tem apenas o desfecho de uma discussão longa e tortuosa que aconteceu por décadas no Congresso Nacional, até ser resgatada e aprovada pela primeira vez no governo Michel Temer. Caiu no ostracismo no governo Bolsonaro, foi interrompida no início do governo Lula, mas, finalmente, após acalorados debates e divergências entre Câmara e Senado, passou no Congresso e foi sancionada pelo Presidente.

Enquanto isso, nossos jovens continuam abandonando a escola e os que ficam demonstraram aprender muito pouco. Como resultados de uma escola desconectada da sociedade e incapaz de se reinventar na direção certa, temos milhões de nem-nem (nem estudam, nem trabalham) e uma produtividade decrescente em quase todos os setores da economia, que precisam desesperadamente de profissionais minimamente preparados.

O cenário em que estamos é fruto de diversos equívocos. O primeiro é a própria nomenclatura. O termo Ensino Médio dá a impressão de que seja apenas um rito de passagem entre o Ensino Fundamental e o Ensino Superior. Desta forma, o Ensino Superior, sendo o próximo ciclo, define o escopo do Ensino Médio, que serve para passar no vestibular, via ENEM ou não. Deste equívoco surgiu a discussão sem fim das disciplinas de formação básica (em grande parte já cobertas nas séries finais do Ensino Fundamental, sem sucesso como comprovado pelo PISA). Fora daqui não é assim.

Nos Estados Unidos e Canadá, o high-school deixa claro que é a mais alta educação oferecida para todos. Há cursos voltados para a profissionalização e outros voltados para o acesso ao ensino superior. Cada tipo de curso ocorre em escolas específicas e com avaliações finais específicas. Não há como avaliar coisas totalmente distintas com o mesmo instrumento como o nosso ENEM. Dali por diante, a universidade é para quem quiser e puder, mas apoiados por amplos programas de bolsas universitárias por mérito acadêmico ou esportivo e programas de financiamento estudantil.

Na Europa, o ensino técnico é extremamente relevante (entre 30% e 70% de todos os alunos, dependendo do país) e visa a inserção do jovem no mercado de trabalho com a valorização, inclusive, do que será aprendido nas etapas dentro das empresas. Ganha o mercado de trabalho, que vê o ingresso contínuo de jovens bem-preparados, e ganham os jovens, que se sentem motivados a terminar o ciclo para seguir a vida nas áreas que escolheram trabalhar. Meu pai era italiano e fruto desta mentalidade. Os filhos seriam técnicos, dois em Química e um em Contabilidade, depois iriam para o ensino superior se quisessem, mas a missão dele acabava no técnico, com apoio integral de minha mãe, que também era técnica.

Um detalhe importante, lá fora a escola técnica é técnica, não se mistura com a escola para quem deseja ir para o ensino superior e ambas são integrais. São entidades com vocações distintas e cabe ao aluno escolher antes de se matricular. Pragmatismo que nos falta e produziu o segundo equívoco. Fizemos uma reforma que tenta acolher num mesmo curso a formação para o ensino universitário e o técnico. No popular, tudo junto e misturado. Temperado com itinerários e optativas, formando um emaranhado complexo, ainda mais descasado das competências docentes existentes, difícil de avaliar (até hoje o INEP não foi capaz de informar como será o novo ENEM), caro e que em breve se mostrará tão ou mais ineficiente que o modelo atual.

Vamos ao terceiro e derradeiro equívoco, falta de liderança e responsabilidade orçamentária. No Congresso, boa parte da queda de braço se deu sobre a quantidade de horas dedicadas à formação geral e se ainda caberiam os cursos técnicos. Para resolver o problema, decidiu-se não se resolver, isto é, o limite de 3.000 horas passou a ser flexível e depois poderá evoluir para 3.200, 3.400, quiçá mais, se for preciso. Como se estas horas incrementais não dependessem de ainda mais recursos. Deixa-se para depois o que não se quis resolver agora, alguém no futuro haverá de fazê-lo, como na reforma da previdência. É mais uma reforma à espera de ser reformada.

Desviando um pouco da reforma, uma surpresa bem-vinda, a meu ver, é o programa “Pé de Meia” que estabelece uma poupança para o jovem permanecer na escola. Justo e correto, mas que seria potencializado se a escola fosse bem resolvida dos problemas acima mencionados.

Pelo menos o ensino obrigatório de Espanhol foi abandonado, seria a cereja no bolo. Já dei muita palestra em Universidades do Chile, país que gosto de mencionar porque está no mesmo canto do mundo que nós e é o melhor latino-americano no PISA, e nunca presenciei uma discussão sequer se deveriam ensinar Português nas escolas. São mais focados, pragmáticos e responsáveis. Tarefa de casa que deveríamos copiar antes de fazer reformas.

Compartilhe: