Especialistas defendem formação continuada, gestão humanizada e cultura institucional para garantir equidade no ensino brasileiro
[Débora Thomé]
A inclusão escolar no Brasil é uma pauta que avançou nas políticas públicas, mas ainda encontra obstáculos profundos no cotidiano das instituições. O Censo Escolar 2023 indica que mais de 93% dos estudantes com deficiência estão em classes comuns da educação básica. No entanto, acesso físico e matrícula não significam inclusão real.
Como apontam educadores e especialistas, o desafio está em transformar a diversidade em potência de aprendizagem. Isso exige ação intencional em três frentes: currículo sensível, formação docente continuada e políticas públicas consistentes. É uma agenda que extrapola o campo pedagógico e se conecta diretamente à gestão escolar e às escolhas institucionais.
Para a educadora e psicanalista Janine Rodrigues, fundadora da Piraporiando, o problema não é a falta de diretrizes, mas a distância entre elas e a prática cotidiana. “Um documento, uma política pública, por mais importante que seja, pode não ser efetiva se não for apropriada por quem deveria ser beneficiário. Formação continuada é o ponto central”, disse.
Currículo e formação docente: inclusão além da matrícula
A Base Nacional Comum Curricular já estabelece parâmetros para o reconhecimento da diversidade, mas sua aplicação encontra barreiras. Pesquisas apontam que apenas 27% dos cursos de licenciatura abordam conteúdos obrigatórios sobre inclusão, o que compromete a formação inicial dos professores e pressiona ainda mais as redes a suprirem essa lacuna na formação continuada.
Janine destacou que não basta tratar desigualdades de forma genérica. “Racismo, capacitismo, desigualdade de gênero ou xenofobia não podem ser enfrentados com as mesmas ferramentas. Cada uma dessas violências exige mediações específicas, fruto de um processo formativo intencional e continuado”, disse.
A psicanalista também afirmou que metodologias baseadas na cultura do afeto e na emancipação docente podem fortalecer a escola. “A formação precisa construir uma consciência social, histórica e política do professor, para que ele não dependa de uma ferramenta externa ou de um programa pontual. Isso é responsabilidade do Estado e das instituições”, defendeu.
Gestão escolar e escuta como prática inclusiva
Se o currículo e a formação são fundamentais, a gestão escolar é o elo que dá consistência ao processo. Para a especialista em Neurociência e Comportamento Irene Reis, CEO do Reinventando a Educação, o professor também deve ser visto como líder. E, nesse papel, precisa desenvolver a “escuta aprendiz”.
“É uma escuta ativa, compassiva e amorosa, que busca aprender sobre o mundo a partir da perspectiva do outro. A aprendizagem equitativa só acontece quando todos se veem como aprendizes em um processo coletivo de construção de sentido”, defendeu Irene, que é colunista no educador21, à frente da Reinventando a Estante.
Na visão de Irene, incluir vai muito além da matrícula ou da convivência superficial. “Matricular não é incluir. Incluir exige respeitar o tempo e as condições de cada estudante, reconhecendo suas singularidades sem cair no conformismo. O melhor de um nunca será o mesmo do outro”, afirmou.
A neurocientista reforçou que estratégias de gestão só funcionam quando estão alinhadas a uma cultura institucional aberta à diversidade: “A cultura come a estratégia no café da manhã. Não há política pública que se sustente em escolas onde a cultura é hostil à diferença”.
Inclusão como cultura e pacto institucional
Mais do que metodologias ou programas pontuais, a inclusão precisa ser incorporada à cultura da escola. Isso envolve desde a forma como conflitos são mediados até a maneira como famílias e comunidades são integradas ao projeto pedagógico.
Para Irene, o ponto de partida é o cuidado com quem ensina: “A inclusão não começa com o aluno que tem laudo, mas com a valorização do professor e da equipe pedagógica. Não existe aprendizagem inclusiva se o educador está excluído das formações, dos cuidados e das condições de trabalho”.
Janine complementou que conhecer experiências bem-sucedidas em redes municipais ajuda a inspirar, mas não resolve sozinho: “Não se trata de copiar modelos, e sim de compreender os processos que levaram a esses resultados, os aliados e as oportunidades em cada território”.
O debate sobre aprendizagem inclusiva no Brasil aponta para um consenso entre especialistas: não se trata de uma escolha opcional, mas de um pacto estrutural. Garantir equidade depende de currículos que reconheçam a diversidade, professores formados para lidar com ela e gestores comprometidos com uma cultura escolar que valorize cada sujeito. Em tempos de profundas desigualdades, essa é uma agenda que dialoga diretamente com líderes escolares. Afinal, como reforçou Irene Reis, “inclusão não é estratégia, é cultura”.

Editora-chefe e cofounder do portal Educador21










