As tendências e os desafios da adoção da Inteligência Artificial (IA) na educação foram destaque no primeiro dia da Bett Brasil 2025
Tania Caliari
A relação entre tecnologia e o universo da educação foi tema de vários encontros, debates, workshops, e até mesmo de interação ao vivo com a ferramenta de IA Aurora, criada a partir dos conhecimentos do escritor, pesquisador e professor aposentado da USP, José Moran. A principal mensagem de todas essas atividades foi a necessidade de se desmistificar o uso da tecnologia, ferramentas digitais e da IA no processo ensino-aprendizagem nas escolas e universidades brasileiras.
“Não há um descolamento entre a tecnologia e a escola, dos professores, e dos estudantes. Não existe mais o professor que só ensina, todos ensinamos e aprendemos, e a tecnologia favorece essa relação recíproca”, disse Vera Cabral, diretora de Industria de Educação na Microsoft Américas e mediadora do painel “Tecnologia Transformando a Educação: Da formação de professores ao desenvolvimento de competências essenciais”.
Para Vera, a evolução da relação entre as tecnologias e a educação vem acontecendo porque temos aceitado cada vez mais que as ferramentas tecnológicas podem realmente ajudar alunos, professores e gestores.
Em sua participação no painel, Daniela Tessele, coordenadora da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo (Efape), apresentou os números superlativos do estado – 5,5 mil escolas públicas estaduais; 3, 5 milhões de alunos; 200 mil professores; 240 mil servidores e 15 mil diretores –, e destacou o grande desafio de aplicar programas de formação de professores e gestores em grande escala sem perder a qualidade.
“Com a tecnologia temos tido a possibilidade de fazer uma formação de alto impacto para um grande ecossistema, o maior das Américas, maior do que o de Nova York, inclusive”, disse Daniela, que deu como exemplo o programa Multiplica, que ocorre todo semestre de forma online, e é mediado por professores multiplicadores – durante muito tempo foi avaliado e monitorado por uma pequena equipe a partir de uma amostragem das aulas para que os formadores tivessem um feedback de seu desempenho.
Daniela Tessele acrescentou que, a partir da parceria da Efape com a Microsoft e com a empresa de tecnologia Big Brain, o Multiplica tem usado ferramentas de IA que mapeiam e avaliam o processo formativo em vários pontos: o formador consegue passar o conteúdo no tempo e de forma adequada? Como tem sido a participação dos professores no curso? O formador conseguiu conectar a teoria e sua aplicabilidade?
“Essa ferramenta consegue até captar o sentimento dos cursistas, se estão engajados, se estão desanimados, se o formador perdeu o rumo da aula. E isso tem sido uma chave de virada na qualidade de nossa formação”, afirmou a educadora**.**
Silvia Schuracchio, diretora pedagógica da Escola Bosque, também presente no painel, falou sobre a preocupação de se usar as tecnologias de forma segura e ética nas escolas. A educadora trouxe o case da Bosque, que tem usado programas aceleradores de aprendizagem em roteiros de Matemática, Língua Portuguesa, capacitação dos alunos para o discurso e pesquisas, além de ter adotado a ferramenta Copilot, da Microsoft, para ajudar os professores no planejamento das aulas.
“Mas é exatamente o que o nome diz. A ferramenta é um copiloto, pois quem guia, quem cria a aula é o professor”, disse Silvia.

Painéis dinâmicos e interações com IA
No debate “Reinventando a Educação Superior: Estratégias de IA para Transformar Instituições”, o pesquisador e cientista Silvio Meira, professor emérito da UFPE e um dos fundadores do Porto Digital, apresentou uma abordagem mais reflexiva. Meira destacou que as tecnologias de propósito geral, como as IAs que conhecemos hoje, cria uma plataforma de possibilidades sócio, política, econômica e cognitiva para a humanidade.
“Essa classe de tecnologia se tornou minimamente prática há apenas dois anos, e nos primeiros seis meses era uma combinação de susto e surto”, disse Meira para quem estamos numa fase de experimentações dessa tecnologia em todos os setores, inclusive na educação. “A vasta maioria dos que estão aqui hoje ainda não vão conseguir usar a IA plenamente, porque tudo isso vai mudar muito. O que temos que garantir é agência humana no processo de tomada de decisões, de como avaliar e executar os processos de aprendizagem”, complementou.
O público do primeiro dia da Bett Brasil pode testemunhar o potencial do uso de ferramentas digitai e recursos de IA que já estão à mão dos professores e alunos de todo o Brasil nas dinâmicas de apresentação do canal Youtube Edu, e da IA Aurora, sistema de inteligência artificial pela qual educadores podem interagir, sanar dúvidas e aprofundar seus conhecimentos por meio de consultas pelo Whatsapp.
Amanda Berezoski, líder de Educação no YouTube Brasil, disse que a parceria com a Unesco foi fundamental para a reformulação do canal a partir de 2021, pois o projeto pode contar com todo o conhecimento que a agência da ONU para cultura e educação tem do universo educacional brasileiro. Amanda destacou também o envolvimento de professores consultores para definirem os critérios de seleção dos mais de 1.300 vídeos organizados em diferentes playlists para atenderem as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular e abordar os temas transversais dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Além de um guia de utilização do canal para os professores, o Youtube Edu proporciona treinamentos junto a escolas, instituições e governos interessados. E em maio será lançada uma formação online aberta para todos que quiserem aprender como usar melhor os vídeos do canal em suas aulas e em seus processos de aprendizagem.
Falando sobre os Edutubers, os youtubers dedicados aos temas da educação selecionados pelo canal, Amanda Berezoski destacou que, além de trazer grandes nomes que atuam na rede social, a curadoria do projeto se preocupou em contemplar a diversidade de conteúdos produzidos em todo o país. “A gente não se manteve preso ao tamanho ou popularidade dos canais. O que mais importa pra gente é trazer vídeos de professores que tenham uma prática pedagógica, e que passem a mensagem para que o aluno possa ter êxito após assistir ao vídeo”, disse.

Quem ainda tem medo da IA?
A apresentação “YouTube Edu: um recurso poderoso para Educadores e Estudantes” se deu numa dinâmica de aula invertida. Educadores e gestores de várias partes do Brasil, incluindo dos estados do Pará e do Rio Grande do Sul, estimulados por cinco perguntas, falaram como têm utilizado as vídeo aulas do canal – seja em reuniões e formações pedagógicas em suas escolas, para aprofundar o conteúdo dado em aula, ou como mais uma linguagem no ensino.
A dinâmica “Converse com Moran e Aurora: A IA que Vai Transformar a Educação” ocorreu no auditório Aquário com a presença de seu mentor, professor José Moran, e de André Genesini, especialista em IA que desenvolveu a ferramenta Aurora, voltada para educadores e alimentada por diferentes estudos e publicações de Moran, um reconhecido especialista em educação, cuja trajetória profissional tem sido marcada pela implementação de abordagens pedagógicas inovadoras.
A interface de Aurora se dá por meio do Whatsapp, pelo qual os professores podem colocar suas questões e receber as respostas e proposições da Aurora em texto e áudio. Numa demonstração ali na hora, André repetiu para a Aurora a pergunta que uma participante havia feito ao professor Moran, sobre quais habilidades necessárias para dominarmos as ferramentas de IA e não ser dominadas por elas.
Uma das habilidades destacadas pela Aurora é a capacidade de se ter um pensamento crítico e criativo, capacidade de questionar, analisar e criar ideias, utilizando a IA como ferramenta de suporte e não como substituto do pensamento humano. Complementando, o professor Moran destacou que no momento é fundamental que os professores percam o medo da IA e deixem de considerar apenas aspectos negativos da tecnologia.
“Os professores estão assustados, temem perder seus empregos”, disse Moran, alertando que o desafio é agora é capacitar os professores com formação continuada para colocarem a mão na massa, experimentarem as ferramentas de IA, e conhecer pelo menos o básico. “Por mais que vocês vejam aqui soluções maravilhosas oferecidas pelas empresas, a educação não se resolve apenas com tecnologias. Ela se resolve com pessoas que usam estas plataformas de forma criativa. Então, não tenham medo de serem substituídos. Temos que nos preparar para que a IA não seja só para uma minoria”, disse o educador.