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Enquanto escolas privadas avançam no uso responsável de IA na educação, redes públicas ainda lutam por conexão básica — ampliando desigualdades estruturais

A transformação digital da educação brasileira avança em velocidades muito diferentes. Enquanto parte das escolas privadas já experimenta plataformas de inteligência artificial para personalizar o ensino, avaliar trajetórias e apoiar o trabalho docente, grande parcela da rede pública ainda enfrenta desafios estruturais básicos — começando pela conectividade. O abismo digital, que já era visível antes da pandemia, agora se reabre com mais força diante da chegada da IA às rotinas pedagógicas.

No centro dessa desigualdade está um dado alarmante: apenas 11% das escolas públicas com mais de 50 alunos por turno possuem a velocidade de internet recomendada, segundo o Núcleo de Informação e Coordenação (Nic.Br). Menos de 30% têm equipamentos suficientes para uso pedagógico regular. O impacto ultrapassa os muros da escola: 5,8 milhões de lares seguem desconectados, não por falta de infraestrutura, mas por falta de letramento digital — um indicador que limita todo o ecossistema de aprendizagem.

Nesse cenário, falar em uso responsável de IA na educação exige reconhecer que a tecnologia só gera equidade quando encontra condições mínimas de acesso. “Não adianta levar internet pra escola e achar que isso resolve. Conexão não é acessório, é estrutura”, afirmou Laerte Magalhães, CEO da Nuhdigital, que atua em projetos de conectividade para redes públicas, comunidades rurais e ribeirinhas. “É a conexão que garante acesso à cultura digital, à linguagem do presente e às ferramentas que desenvolvem competências reais para a vida”, complementou.

Programas federais como o Internet Brasil e o Aprender Conectado, alinhados à Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), avançam na tentativa de reduzir esse fosso. Mas ainda há um longo percurso: o Novo PAC prevê 70 mil escolas conectadas até o fim de 2024 — pouco mais da metade da meta nacional —, e a expectativa é chegar a 138 mil até 2026. Infraestrutura é apenas o início.

Com a aceleração da IA nas práticas educacionais, a ausência de conectividade deixa de ser apenas um problema operacional e se torna uma questão de soberania formativa. Sem acesso estável, a escola pública corre o risco de preparar jovens apenas para seguir comandos, e não para compreender, criar ou questionar — habilidades essenciais na era digital.

Conectividade é pré-requisito para o uso responsável de IA na educação

A chegada da inteligência artificial às salas de aula intensifica o debate sobre o que significa garantir equidade digital no país. Se por um lado redes privadas incorporam ferramentas de apoio ao planejamento, personalização e avaliação, por outro, professores da rede pública ainda enfrentam rotinas marcadas por improvisos tecnológicos: wi-fi instável, poucos dispositivos e ausência de suporte técnico.

Nesse contexto, a conectividade deixa de ser vista apenas como infraestrutura e passa a ser compreendida como política pedagógica. Sem internet adequada, não há como desenvolver letramento digital, ensinar navegação crítica, explorar ferramentas de IA generativa ou formar estudantes capazes de interpretar informações e construir soluções. Tudo depende da mediação docente, que por sua vez depende das condições materiais do ambiente escolar.

A Nuhdigital, presente em iniciativas federais de inclusão digital, tem atuado para reduzir essa lacuna. Projetos como o Internet Brasil distribuem chips móveis para alunos da rede pública, ampliando o acesso fora da escola, enquanto o Aprender Conectado busca garantir banda larga adequada para atividades pedagógicas diárias. Para Magalhães, esses programas só têm impacto real quando dialogam com formação docente e cultura digital: acesso sem uso qualificado não transforma a aprendizagem.

Em um país marcado por desigualdades históricas, conectar escolas não é apenas instalar cabos, mas permitir que estudantes participem de uma sociedade mediada por algoritmos — desde a cidadania digital até o mundo do trabalho. A conectividade, portanto, sustenta o uso responsável de IA na educação, garantindo que a tecnologia amplie oportunidades em vez de reforçar desigualdades.

O risco de uma geração desconectada da cultura digital

A pandemia mostrou de forma contundente como a ausência de internet pode interromper processos de aprendizagem. Agora, com a disseminação de ferramentas de IA, o risco torna-se ainda mais profundo e silencioso: limitar estudantes a tarefas mecânicas, sem espaço para criatividade, pensamento crítico ou protagonismo.

Magalhães sintetiza essa urgência ao afirmar: “Discutir IA na escola pública é discutir poder de quem vai entender o mundo e de quem vai só apertar o botão”. A frase expõe o ponto central: sem acesso integral à conectividade e ao letramento digital, formar cidadãos capazes de participar da sociedade da informação torna-se um desafio estrutural.

Essa desigualdade não é apenas tecnológica, mas curricular. Ao impedir que estudantes explorem recursos digitais contemporâneos, o sistema público reduz sua capacidade de desenvolver competências essenciais: leitura de múltiplas linguagens, resolução de problemas, análise crítica, colaboração digital e uso responsável de IA. O futuro, nesse cenário, não chega de forma igual para todos.

O desafio é nacional, mas a solução exige articulação local. Estados, municípios e parceiros privados precisam avançar em infraestrutura, mas também em programas formativos que integrem cultura digital ao cotidiano da escola. A urgência é evidente: sem conectividade plena, milhões de jovens correm o risco de permanecer à margem da transformação educacional em curso.

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