Os educadores atualmente estão preparando estudantes para profissões que ainda não existem. Na coluna deste mês, Lara Crivelaro mostra onde entra a educação global nessa equação
A frase “meu filho está estudando hoje para profissões que ainda não foram criadas” dita por Juliana Bley, psicóloga e palestrante no programa Sem Censura da TV Brasil, reflete uma inquietação compartilhada por muitos pais e educadores na atualidade. Em um cenário marcado por avanços tecnológicos acelerados, especialmente no campo da inteligência artificial (IA), as previsões apontam para mudanças radicais no mercado de trabalho. Estima-se que, até 2030, o panorama profissional será tão distinto que muitas das carreiras tradicionais terão desaparecido, enquanto outras tantas surgirão, demandando competências ainda desconhecidas.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, 83 milhões de empregos deverão ser eliminados devido ao impacto da IA, ao mesmo tempo que 69 milhões de novas funções serão criadas. O relatório sugere que aproximadamente 75% das empresas pretendem adotar algum nível de automação em suas operações, o que pode gerar tanto crescimento de empregos (50% das empresas) quanto uma diminuição de postos (25% das empresas) nas mesmas organizações. Esse contraste reflete a complexidade do cenário que temos à frente e reforça a necessidade de se repensar a educação desde a base, para preparar os jovens para essa nova realidade.
O papel da educação no desenvolvimento das habilidades do futuro torna-se, então, um ponto crítico de discussão. Se o sistema educacional permanecer focado apenas em conteúdos tradicionais, corremos o risco de formar uma geração que não estará apta a atuar nas novas áreas emergentes do mercado. Esse fenômeno, muitas vezes chamado de “desalinhamento de habilidades” (skills mismatch), já é uma preocupação crescente. Um estudo realizado pela consultoria McKinsey em 2023 apontou que 44% das empresas ao redor do mundo já enfrentam dificuldades para encontrar profissionais com as competências necessárias para desempenhar funções relacionadas à tecnologia, como análise de dados, programação de algoritmos e gestão de sistemas de IA.
Além das habilidades técnicas, competências sociais e emocionais também serão essenciais para os profissionais do futuro. A criatividade, o pensamento crítico e a capacidade de resolver problemas complexos são características que dificilmente serão replicadas por máquinas. Nesse sentido, os sistemas educacionais precisam incluir mais do que apenas matemática, ciências e linguagens. É fundamental promover a interdisciplinaridade, a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento e o desenvolvimento de projetos que estimulem a curiosidade e a inovação.
Um estudo publicado em 2022 pela Institute for the Future (IFTF) projetou que aproximadamente 85% das profissões que existirão em 2030 ainda não foram inventadas. Isso significa que, para formar cidadãos globais e aptos para essa nova era, as escolas e universidades devem se posicionar como protagonistas de uma revolução educacional. Aulas expositivas e currículos fixos precisam dar lugar a metodologias ativas, onde os estudantes sejam encorajados a participar de atividades práticas e colaborativas, e a explorar novos caminhos de aprendizado, como o uso de plataformas online e experiências internacionais que ampliem a compreensão do mundo.
Além disso, o impacto da globalização e das novas tecnologias demanda que os jovens estejam prontos para navegar por ambientes multiculturais e se comunicar em mais de um idioma. O domínio do inglês, por exemplo, já não é mais um diferencial, mas sim uma habilidade básica para competir globalmente. A integração de disciplinas que contemplem não apenas conhecimentos linguísticos, mas também o desenvolvimento de habilidades interculturais, precisa ser uma prioridade em todos os níveis educacionais.
Finalmente, é importante lembrar que a preparação para o futuro não deve ocorrer de forma isolada. A formação de uma rede sólida entre escolas, famílias e comunidades pode ajudar a criar um ambiente propício para que os estudantes desenvolvam uma mentalidade aberta e adaptável. Em iniciativas como a International Education Summit que aconteceu no mês de outubro, organizado pela Efígie Academy no auditório do Insper, temos exemplos concretos de como a colaboração entre diferentes instituições pode proporcionar aos jovens uma educação mais global e conectada às tendências emergentes.
Se quisermos preparar adequadamente nossos filhos para as profissões do futuro, devemos assumir uma postura de constante inovação e adaptação dentro e fora das salas de aula. Assim, quando eles entrarem no mercado de trabalho, estarão mais preparados para os desafios de um mundo que continua a se transformar de forma inesperada e acelerada.
Doutora em Sociologia pela Unesp, Lara Crivelaro foi diretora de cursos de graduação e pós-graduação, pró-reitora, coordenadora geral de educação à distância e consultora de diversas universidades do Brasil.
Fundou a Efígie ao identificar uma lacuna na educação internacional e atualmente é CEO da empresa e também diretora-executiva do Instituto Educbank de Educação e Cultura.
Lara é avaliadora do Ministério da Educação (MEC) para credenciamento e autorização de cursos a distância e autora de cinco livros, sendo o último “A educação básica no palco internacional”.