Casos crescentes de ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes reforçam a necessidade de políticas de acolhimento e prevenção nas escolas
A saúde mental infantil tem se tornado um tema central para as escolas e redes de ensino em todo o país. O aumento expressivo de diagnósticos de ansiedade, depressão e distúrbios emocionais entre crianças e adolescentes exige que a gestão escolar amplie seu olhar sobre o bem-estar dos estudantes e adote práticas mais acolhedoras dentro do ambiente educacional.
Dados do Ministério da Saúde mostram a dimensão do desafio: entre 2014 e 2024, os atendimentos a crianças de 10 a 14 anos no SUS cresceram quase 2.500%, enquanto entre adolescentes de 15 a 19 anos o aumento foi de 3.300%. Para os gestores, esses números representam mais do que um alerta — indicam a urgência de integrar o tema da saúde mental infantil às políticas pedagógicas e de convivência.
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O contexto pós-pandemia, o aumento da exposição às telas e as transformações nas relações familiares contribuíram para essa realidade. Nas escolas, os reflexos aparecem em mudanças de comportamento, desmotivação e queda no desempenho acadêmico.
Segundo o psiquiatra Rodrigo Eustáquio, professor da Afya Educação Médica de Vitória (ES), é papel da comunidade escolar identificar os primeiros sinais. “As crianças raramente expressam o que sentem com clareza. Por isso, alterações de humor, irritabilidade e dificuldade de concentração são indicadores importantes de sofrimento emocional”, explicou.
A criação de espaços seguros, a formação de professores para lidar com situações de vulnerabilidade emocional e o fortalecimento da parceria entre família e escola são, segundo especialistas, caminhos possíveis para uma cultura de cuidado contínuo — um tema que começa a ganhar força também nas políticas públicas.
Ambiente escolar saudável é fator de proteção emocional para estudantes
Mais do que espaço de aprendizagem, a escola exerce um papel fundamental na promoção da saúde mental dos alunos. Em um contexto em que um em cada sete adolescentes enfrenta questões como ansiedade e depressão, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Universidade Johns Hopkins, o ambiente escolar saudável se consolida como um dos principais fatores de proteção emocional.
Para o educador Rafael Galvão, diretor-pedagógico da Rede Alfa CEM Bilíngue, a função preventiva da escola começa pela formação integral dos estudantes. “Ao desenvolver autonomia intelectual, pensamento crítico e estratégias de autogestão, ajudamos o aluno a lidar com desafios e pressões de forma mais equilibrada. Essa base de resiliência é essencial para reduzir riscos de ansiedade e burnout”, explicou.
A criação de uma cultura institucional de confiança e acolhimento também é apontada como essencial. Programas de mentoria, canais de escuta ativa e ações de acompanhamento individualizado fortalecem o vínculo entre estudantes e professores, permitindo a identificação precoce de sinais de sofrimento emocional.
Galvão destacou ainda que o equilíbrio emocional dos docentes impacta diretamente o bem-estar dos alunos. Educadores apoiados e valorizados tendem a criar salas de aula mais empáticas e colaborativas, favorecendo tanto o aprendizado quanto o desenvolvimento socioemocional. Nesse processo, pausas estratégicas e espaços de descompressão ajudam a consolidar uma rotina escolar mais humana e sustentável.
Escolas têm papel essencial na saúde mental infantil
De acordo com o professor Rodrigo Eustáquio, a identificação precoce do sofrimento emocional passa por uma escuta ativa e empática. “Muitos sinais aparecem na rotina escolar, e o professor é, muitas vezes, o primeiro a notar. Um olhar sensível, aliado ao acolhimento e ao diálogo, pode fazer toda a diferença”, informou.
Para os gestores, isso implica criar condições institucionais para que os docentes sejam preparados e amparados nesse processo. Programas de formação continuada sobre saúde mental, protocolos de acolhimento e o envolvimento de equipes multiprofissionais estão entre as ações mais recomendadas por especialistas.
“Cuidar da saúde mental infantil é uma responsabilidade compartilhada entre escola, família e comunidade. Quando esse cuidado é integrado ao projeto pedagógico, o ambiente escolar se torna um espaço mais humano e promotor de desenvolvimento integral”, resumiu Eustáquio.
Políticas públicas ampliam o debate sobre saúde mental
Recentemente, a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4928/23, que inclui no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o direito de acesso a programas de saúde mental pelo SUS. Para gestores escolares, a medida reforça a importância de manter diálogo constante com as redes públicas de atenção psicossocial e integrar práticas de prevenção e encaminhamento nos protocolos institucionais.
Para o psiquiatra da Afya, esse avanço legislativo tem um efeito simbólico e prático. “Garantir o cuidado contínuo e integral desde a infância é essencial para uma sociedade mais saudável. O papel da escola é decisivo nesse processo, como espaço de observação, acolhimento e construção de vínculos”, avaliou.
Mais do que um desafio clínico, a saúde mental infantil é uma questão estratégica de gestão educacional. O tema exige políticas que articulem formação, cultura institucional e redes de apoio, capazes de transformar a escola em um ambiente de segurança emocional e aprendizado pleno.










