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Nosso colunista e meio-maratonista (PARABÉNS!) compara seus treinos para a prova com o que chama de “lições universais para todo educador”

No final de agosto, tive a oportunidade de correr minha primeira meia-maratona.  Embora o tema não seja ligado à Educação, objetivo desta coluna, aprendi lições preciosas que me serviram como pessoa e como educador e que desejo compartilhar neste texto.

Já passei há alguns anos do meio século de vida e fazer uma meia-maratona nunca esteve nos meus planos, mesmo quando tinha trinta anos menos, mas foi exatamente por isso que decidi, junto com dois amigos queridos, entrar nesse desafio.

Após reler no trabalho de Roland Fryer, pesquisador de Harvard que já mencionei antes, que ter “altas expectativas” explicava parte da distância entre as escolas públicas boas e as ruins, fiquei pensando qual “alta expectativa” deveria me impor para evoluir em alguma dimensão. Na mesma época, chegou o convite de um amigo para fazermos juntos a meia-maratona de Buenos Aires. Teríamos 4 meses para a preparação. Me parecia muito pouco tempo pois já lutava contra uma lesão no pé esquerdo que me afastou das corridas por todo o segundo semestre do ano passado, mas o primeiro desafio estava superado, já tinha um objetivo e data marcada.

O próximo foi encontrar ajuda profissional para aprender a treinar para superar uma prova mais longa, já que nunca havia completado uma prova mais distante do que dez quilômetros. Tenho o privilégio de ser casado com uma educadora física que ajudou, motivou e complementou o trabalho do treinador, que não se limitou às planilhas de treino, mas correu a prova ao nosso lado mesmo sendo capaz de um tempo muito melhor do que as duas horas e dezoito minutos que levamos para percorrer todo o trajeto.

O terceiro desafio foi desenvolver uma rotina que garantisse os treinos necessários e chegasse a pelo menos um treino acima dos 16 quilômetros (o último treino foi de 17 quilômetros) duas semanas antes da prova. Rotina implica em desenvolver hábitos, não basta entender a importância dos treinos, é preciso fazê-los. Como viajo muito a trabalho, tive de treinar em temperaturas altas, ao nível do mar ou em regiões montanhosas, com muita ou pouca umidade, feliz ou triste, não havia desculpa, tinha de treinar.

Muitas vezes corri pensando no que chamamos de competências socioemocionais, ou como preferem os europeus, formação do caráter. O desconforto desenvolve a resiliência, mas só funciona com sofrimento. No meu caso, no pé esquerdo.

Incontáveis vezes pensei em Antônio Damásio, grande neurologista e neurocientista português radicado nos Estados Unidos, que ficou mundialmente conhecido a partir de seu livro O Erro de Descartes. Descartes defendia que “pensamos, logo existimos”. Já Damásio defende que “toda e qualquer expressão racional está baseada em emoções”. Seu trabalho ajudou muito no entendimento da importância do socioemocional no aprendizado, ou melhor, a preponderância no aprendizado. Meus sentimentos podiam ser meus aliados ou meus algozes na preparação, alistei-os como aliados!

Olhando para trás, não tenho dúvida que o principal desafio foi dizer não, algumas vezes por semana. Dizer não é escolher uma coisa em detrimento de todas as outras. Muito difícil neste mundo contemporâneo cheio de distrações e maximização do conforto.

Mas esta meia-maratona reforçou por completo lições universais para todo educador. Sem altas expectativa, sem desafios ou sofrimentos, vamos nos recolhendo e atrofiando, no campo físico e intelectual. Se queremos desenvolver nossos estudantes, ou nós mesmos, não tem bala de prata, não tem suplemento milagroso, não tem atalho. Só a dedicação regular, o apoio de profissionais e amigos de jornada nos fazem evoluir por meio do desenvolvimento dos sentimentos corretos.

Hoje sei que venci um desafio que não teria vencido há 30 anos. Evolui e quero continuar evoluindo. Tenho pensado muito em qual “alta expectativa” irei me engajar agora. E você? Já tem a sua?

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