Amábile Pacios fala sobre o decreto que cria o novo marco da EAD acerta ao qualificar a modalidade, mas reacende alertas sobre os riscos na formação de professores
A educação brasileira vive, mais uma vez, um momento de profunda transformação. A promulgação do Decreto nº 12.456/2025, que institui o novo marco regulatório para a Educação a Distância (EAD), representa um avanço importante no fortalecimento da qualidade e da regulação dessa modalidade. Contudo, também implica em desafios significativos, especialmente no que diz respeito à formação de professores, área que venho acompanhando de perto há anos, com compromisso e dedicação.
O Decreto reafirma a necessidade de integração entre atividades presenciais e a distância, vedando cursos 100% EAD em todas as graduações – o que nunca existiu efetivamente no Brasil – e estabelecendo a obrigatoriedade de, ao menos, 20% da carga horária em atividades presenciais ou síncronas. Trata-se de uma sinalização clara: a formação de nível superior, independentemente da modalidade, deve garantir o mínimo de interação humana real, de vivência prática e de construção coletiva do conhecimento.
No campo das licenciaturas, que forma o alicerce da educação básica, a situação ganha contornos ainda mais específicos. Como tenho ressaltado em outras oportunidades, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são claras: as licenciaturas devem garantir, no mínimo, 50% da carga horária de formação presencial. É uma exigência que não pode ser flexibilizada sob pena de comprometermos a qualidade formativa dos nossos futuros professores.
O novo decreto, bem como a portaria de transição recentemente editada pelo Ministério da Educação, ainda que proponham uma composição de 30% de atividades presenciais e 20% de atividades síncronas mediadas — alcançando formalmente os 50% —, não atendem às exigências das DCNs. Isso porque, como temos afirmado reiteradamente, atividades síncronas mediadas são, juridicamente e pedagogicamente, consideradas atividades de EAD e não se equivalem à presencialidade plena, aquela que proporciona a experiência insubstituível da convivência, do debate e da prática pedagógica concreta.
Outro aspecto do novo marco regulatório que merece destaque é a valorização do papel do docente, com a eliminação definitiva da figura do tutor pedagógico, substituída por professores plenamente reconhecidos e responsáveis pelo processo formativo. É uma vitória para quem defende, como eu, que a qualidade da educação está diretamente associada à valorização e à responsabilidade do professor.
O ensino mediado por tecnologia não pode ser subestimado, mas tampouco pode ser visto como uma justificativa para a fragmentação do papel docente. A limitação de alunos por turma síncrona a 70 estudantes, a obrigatoriedade de avaliações presenciais e a manutenção de fóruns interativos são elementos que reforçam a necessidade de vínculos efetivos entre professores e alunos.
Não há como negar: a formação de professores por meio da EAD tem sido uma solução buscada por muitos, em um contexto de democratização do acesso à educação superior. No entanto, como sempre tenho defendido, não se pode sacrificar a qualidade formativa em nome da ampliação indiscriminada de vagas.
Os cursos de licenciatura, por sua própria natureza, exigem um processo formativo que articule teoria e prática de modo profundo. O estágio supervisionado, que deve iniciar-se desde o primeiro semestre e ocorrer presencialmente, é um componente essencial dessa formação, como reiterado nas novas DCNs e nos pareceres mais recentes do Conselho Nacional de Educação.
A proposta de flexibilização da presencialidade para 30% — ainda que combinada com atividades síncronas — representa, no caso das licenciaturas, um risco iminente de descumprimento das DCNs. É fundamental que as instituições de ensino superior compreendam que a adesão plena às normas das DCNs não é opcional: é imperativa para a validade e a qualidade de seus cursos.
As mudanças introduzidas pelo novo marco regulatório para a EAD buscam, acertadamente, evitar distorções que comprometem a legitimidade e a eficácia dessa modalidade de ensino. A exigência de infraestrutura adequada — com laboratórios, ambientes de estudo e acesso pleno à internet — e o credenciamento rigoroso de novos polos refletem uma preocupação justa com a qualidade.
Todavia, é preciso um olhar atento para que a regulamentação não seja interpretada apenas como um conjunto de obstáculos burocráticos, mas como uma oportunidade de qualificação dos processos pedagógicos. A combinação entre interação síncrona, avaliações presenciais e limitação de alunos por turma cria condições mais propícias para uma educação de qualidade.
Como tenho afirmado em diversos artigos e debates públicos, a formação de professores é o pilar fundamental para a transformação da educação brasileira. Não podemos admitir retrocessos nesse campo. A formação adequada, sólida e ética de nossos futuros educadores depende da efetivação de políticas que garantam, de fato, a articulação entre presença, prática e reflexão crítica.
As novas regras para a modalidade a distância, inclusive com a criação dos cursos semipresenciais – representa um avanço normativo importante, mas é apenas um passo. A efetividade dessa legislação dependerá da responsabilidade das instituições de ensino, do compromisso dos gestores educacionais e, sobretudo, do fortalecimento da formação inicial e continuada de nossos professores. As faculdades, centros universitários e universidades terão dois anos para se adequarem ao que determina o decreto e muitos debates devem ocorrer durante esse processo.
Que possamos, juntos, construir uma educação que não abra mão da qualidade em nome da quantidade, e que reconheça na formação docente presencial e prática o caminho indispensável para a construção de um Brasil mais justo, inclusivo e preparado para os desafios do século XXI.

Amábile Pacios é vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e ex-conselheira Nacional de Educação, com atuação destacada na Câmara de Educação Básica. Educadora com mais de 30 anos de experiência, é autora de livros didáticos e presidente do Grupo Educacional Dromos. Reconhecida por sua liderança no setor educacional, recebeu o título de Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito Educativo em 2022, em homenagem aos seus serviços prestados à educação brasileira.