Com o fim do programa federal no ano passado, estados e municípios assumem protagonismo na formação prática de futuros professores
A descontinuidade do Programa Residência Pedagógica (PRP), oficializada em 2024 , não representou o fim do modelo de imersão prática na formação de professores. Pelo contrário: abriu espaço para uma nova fase, marcada pela descentralização e pelo protagonismo de estados e municípios. O conceito de residência docente se renova em diferentes regiões do país, exigindo que instituições de ensino superior (IES) repensem seu papel nesse ecossistema.
Esse movimento acontece em um contexto de urgência. Dados do SAEB 2021 indicam que apenas 31% dos alunos concluintes do Ensino Médio demonstram aprendizado adequado em Língua Portuguesa e apenas 5% atingem proficiência em Matemática. O quadro revela a necessidade de um corpo docente mais qualificado e valorizado, capaz de enfrentar os desafios do aprendizado em larga escala. A residência, ao aproximar licenciandos da realidade escolar, se apresenta como estratégia decisiva nesse processo.
Se antes havia um eixo central — o PRP, conduzido pela CAPES —, hoje o cenário é múltiplo, com editais variados, formatos distintos e prioridades regionais. O resultado é uma maior diversidade de experiências, mas também a necessidade de adaptação estratégica. Instituições que antes seguiam um padrão nacional agora precisam dialogar com diferentes agendas estaduais e municipais.
De acordo com Amábile Pacios, consultora e articuladora da Coluna Formação de Professores no educador21, “para formar bons professores, precisamos ir além do currículo: é preciso promover experiências reais e supervisão reflexiva”. Essa perspectiva fundamenta não apenas a proposta da residência, mas também um novo modo de pensar a construção da identidade docente.
Residência docente: descentralização e protagonismo local
Para conquistar espaço nesses arranjos, as instituições precisam estar atentas aos editais abertos pelos governos locais, compreender os requisitos de credenciamento e alinhar suas propostas às demandas regionais. Em muitos casos, a participação se dá por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), que formalizam a parceria entre universidades e redes de ensino. Também há iniciativas municipais que operam por termos de adesão mais simples, abrindo caminho para uma participação ágil.
Outro aspecto central é o diálogo contínuo com as secretarias de educação. Esse contato direto permite mapear carências específicas — como a falta de professores em determinadas áreas — e apresentar projetos pedagógicos que respondam a essas demandas. Assim, a IES deixa de atuar apenas como candidata a um edital e passa a se posicionar como parceira estratégica na solução de problemas educacionais locais.
A proatividade, nesse contexto, torna-se decisiva. Instituições que aguardam convites formais podem perder oportunidades importantes, enquanto aquelas que estabelecem pontes desde cedo ampliam as chances de inserção em projetos relevantes. A residência docente, portanto, passa a ser tanto um espaço de formação prática para o estudante quanto um território de inovação institucional.
Essa nova dinâmica também reforça o papel da residência como elo entre teoria e prática, especialmente após a atualização das diretrizes do Conselho Nacional de Educação em 2024, que determinou carga horária mínima de 50% presencial nos cursos de licenciatura. Ao aproximar o licenciando da realidade escolar, os programas locais se apresentam como a via mais concreta de atender a essa exigência, garantindo qualidade na formação e conexão direta com os desafios das redes de ensino.
Projetos pedagógicos alinhados às novas diretrizes do CNE
A Resolução nº4 do Conselho Nacional de Educação (CNE) publicada em maio de 2024 trouxe um marco regulatório importante para a formação de professores: a exigência de que ao menos 50% da carga horária das licenciaturas seja presencial. Esse ponto reforça a importância de experiências formativas que articulem teoria e prática no cotidiano das escolas.
A residência docente cumpre esse papel ao colocar o licenciando em contato direto com a sala de aula, permitindo que vivencie situações reais, enfrente desafios concretos e desenvolva competências que não seriam plenamente adquiridas apenas em contextos acadêmicos. Essa vivência contribui para reduzir a distância entre o que se aprende na universidade e o que se pratica nas redes de ensino.
Além disso, os programas estaduais e municipais têm incentivado o uso de metodologias inovadoras e de tecnologias educacionais. Inteligência Artificial aplicada ao acompanhamento de estágios, ensino híbrido estruturado, realidade virtual (VR) e aumentada (AR) para simulações de sala de aula e a promoção da inclusão escolar são exemplos de recursos que vêm sendo incorporados aos projetos.
Assim, cada residência se transforma também em um laboratório de inovação. As IES que souberem articular seus projetos pedagógicos às novas diretrizes nacionais e às prioridades tecnológicas terão melhores condições de se inserir e de se destacar nesses arranjos, posicionando-se como protagonistas na renovação da formação docente.
O caso Pernambuco como referência
Entre os exemplos mais robustos dessa nova etapa está o Programa Estadual de Residência Docente “Pré-docência”, lançado pelo Governo de Pernambuco. Com orçamento superior a R$ 8 milhões , o projeto reúne a Universidade de Pernambuco (UPE) e a Secretaria Estadual de Educação em uma iniciativa voltada para estudantes de licenciatura a partir do terceiro período.
As bolsas, que variam de R$ 800 a R$ 2.000 conforme a função desempenhada, demonstram o compromisso do estado em valorizar todos os envolvidos — desde os residentes até os coordenadores institucionais. As áreas prioritárias incluem Matemática, Física, Química, Computação e Letras, apontando para a necessidade de suprir carências históricas na rede.
Além do aporte financeiro, o diferencial do “Pré-docência” está no incentivo à inovação pedagógica. Projetos de intervenção são desenvolvidos em cada escola parceira, com espaço para metodologias ativas, tecnologias digitais e propostas inclusivas. Isso reforça a ideia de que a residência não é apenas prática supervisionada, mas também um espaço de criação e experimentação para a rede pública.
A experiência pernambucana sinaliza que o fim do PRP federal não deve ser visto como retrocesso. Ao contrário: abre-se um campo fértil para iniciativas locais mais dinâmicas e contextualizadas. Para as IES, o desafio é reconhecer essa descentralização como oportunidade de protagonismo, reinventando a formação docente e garantindo que o modelo de residência continue a ser uma força transformadora para a educação brasileira.