O tão desejado ganho de qualidade da Educação Básica depende intrinsecamente da valorização dos educadores e isso pode ser facilitado pelo PL 517/2025
Luciana Allan*
Comemoramos oficialmente o Dia do Professor há 62 anos. A tradição remonta a 1827, quando Dom Pedro I sancionou a lei que criou o ensino elementar no Brasil.
Desde então, ocorreram inúmeras transformações. No entanto, uma delas se destaca pelo lado negativo: a falta de valorização da profissão de educador, que aconteceu simultaneamente à universalização do ensino no país.
No Relatório Semana da Escuta das Adolescências lançado no mês passado, esta situação fica evidente. Entre os adolescentes dos 6º e 7º anos, apenas 39% afirmam que os estudantes valorizam os professores. O índice cai para 26% entre os alunos dos 8º e 9º anos.
Parece contraditório que, hoje, mais crianças e jovens frequentem a escola e, ao mesmo tempo, não apreciem aqueles que os recebem e orientam nesse ambiente. Ainda que eu compreenda as razões de uma geração que, em grande parte, não percebe conexão entre a realidade do mundo exterior e o ambiente acadêmico, acho preocupante e temerário.
Alunas, alunos, pais, mães, educadores, gestores e governantes devem agir para que os professores e professoras sejam mais valorizados. Afinal, eles têm um papel importante, para não dizer crucial, no futuro de nossas crianças, adolescentes e jovens!
Felizmente, o tema está sendo abordado na discussão do Projeto de Lei 517/2025, conhecido como PL da Valorização dos Professores, que propõe a criação do Programa Nacional de Valorização, Inovação e Qualificação dos Professores da Educação Básica (PNVIQ).
O programa prevê ações como a oferta de cursos de formação e bolsas de estudo, incentivo a ações inovadoras em sala de aula e criação de serviços de apoio à saúde mental dos professores.
A proposta também institui o Selo de Excelência Pedagógica, que premiará anualmente professores, equipes pedagógicas e escolas com bons resultados no desempenho escolar.
A questão central em meio a tantas demandas
Em sua atual fase de discussão, o PL propõe três frentes de atuação: formação inicial e continuada; ampliação do tempo de estudo e de planejamento do professor; e ampliação da jornada escolar com o estabelecimento do ensino em tempo integral.
Faço questão de destacar que dar mais tempo para o professor planejar, estudar e se desenvolver é primordial para promover uma mudança significativa na qualidade do ensino no Brasil. Essa é uma demanda antiga dos profissionais da linha de frente, eternamente reivindicada e, até agora, não plenamente viabilizada.
Pela regra nacional, definida pela Lei do Piso do Magistério (Lei nº 11.738/2008), até 1/3 da jornada semanal do professor da educação básica deve ser destinada a atividades extraclasse. Entenda-se: planejamento, estudos, correção de provas e trabalhos, atendimento a pais e alunos e formação continuada. Mas na prática, muitas redes de ensino ainda têm dificuldades de implementar integralmente essa proporção, e há disputas sindicais e jurídicas em alguns locais.
Se desejamos professores com visão contemporânea, capazes de realmente fazer a diferença na vida de crianças e adolescentes – que trabalhem cada vez mais com aprendizagem significativa, promovam um envolvimento genuíno nesse processo e entreguem conteúdos que façam sentido, preparando os estudantes para o futuro – eles precisam, antes de tudo, de tempo.
Tempo para entender quem são os alunos sentados à sua frente: o que pensam, sentem e como enxergam suas perspectivas de futuro. A partir da análise desses dados, é possível organizar percepções, sentimentos, necessidades e desafios em categorias – o que chamamos de mapa de empatia.
Com isso, instituições e educadores conseguem desenhar estratégias pedagógicas que contemplem o currículo, as diretrizes e orientações da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), conectando-as ao projeto político-pedagógico da própria escola.
Essa adequação é essencial em um país tão diverso quanto o nosso, pois os projetos educacionais devem refletir o jeito de ser e pensar que melhor atende à comunidade ao redor.
Para que isso aconteça, os educadores precisam de tempo para se apropriar das atualizações metodológicas e das novas ferramentas educacionais, incluindo as tecnologias digitais. Não basta um primeiro contato: é necessário estudar, experimentar, testar e avaliar cada recurso, refletindo sobre como aprimorar a aula da próxima vez.
Essa fase de sistematização pode ocorrer individualmente ou em grupo, com colegas. Entretanto, é extremamente enriquecedor compartilhar descobertas com a própria equipe da escola e com outros professores da rede.
Apresentar experiências em seminários, ser reconhecido pelo bom trabalho e participar de uma premiação são fatores de fortalecimento pessoal e coletivo. Afinal, é no compartilhar que adquirimos novas ideias e conhecimentos.
O desenvolvimento do educador impulsiona a instituição de ensino.
Quid pro quo
Se há uma cobrança sobre os professores por melhores resultados, é preciso haver maior apoio financeiro para que eles se desenvolvam, participem de congressos, façam cursos, se reúnam com os pares. Hoje, isso acontece informalmente, na base da garra e da superação.
Acredito que, junto a essa estruturação, sejam estabelecidos compromissos claros sobre o aproveitamento desse tempo extra. Ou seja, os momentos de estudo, sistematização e partilha precisam ser fomentados de forma sistemática, organizados cuidadosamente para que os processos tenham começo, meio e fim, e os encaminhamentos necessários sejam realizados.
Penso ser esta a forma mais eficiente de garantir retorno para a escola, para a rede e a sociedade a partir desse investimento no professor.
A qualificação contínua dos educadores provocará um verdadeiro efeito cascata: impactará a autoestima dos docentes, fortalecerá a interação entre as pessoas na escola e aumentará o reconhecimento por parte dos estudantes.
Ter tempo para estar com os colegas, discutir aprendizagem e planejar juntos fortalece o grupo. E um time coeso e motivado gera, invariavelmente, resultados muito melhores.
***Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do **Instituto Crescer, onde, há 25 anos, lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação










