Mais do que avaliar estudantes, o exame nacional revela caminhos para aprimorar a formação docente e fortalecer a gestão acadêmica
Em um cenário de rápidas transformações na educação superior, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) volta a ocupar o centro das atenções. Em especial nas licenciaturas, o exame é um indicador decisivo da qualidade da formação docente no país. Mais do que avaliar conteúdos, o ENADE revela o quanto as instituições de ensino superior estão, ou não, formando professores capazes de enfrentar os desafios da escola contemporânea. No campo da formação de professores, o exame avalia não apenas o domínio técnico das áreas específicas, como matemática, biologia, história e letras, mas também as competências pedagógicas essenciais para o exercício da docência. Planejamento, avaliação, uso de tecnologias, mediação de conflitos e atenção à diversidade são elementos que vêm sendo cobrados nas provas e que refletem as exigências de uma escola mais inclusiva, conectada e humana.
Ainda é comum que o ENADE seja visto como um evento isolado, quase um obstáculo no calendário acadêmico. Mas essa visão precisa mudar. O exame não é apenas uma exigência do MEC: ele é uma ferramenta de diagnóstico e gestão. Seus resultados permitem que coordenadores e dirigentes das instituições de ensino superior identifiquem lacunas de formação, revejam currículos e para reorientar estratégias pedagógicas. Ao analisar o desempenho dos estudantes, os gestores podem compreender se o Projeto Pedagógico de Curso realmente traduz a prática em sala de aula. A coerência entre projeto, prática e resultado é o que diferencia cursos que apenas cumprem a lei daqueles que realmente formam professores preparados para o mundo atual com comprometimento em bem ensinar os jovens e crianças.
Uma das falhas mais recorrentes nas instituições é a falta de comunicação sobre o propósito do ENADE. Muitos alunos, e até docentes, desconhecem a importância do exame para a instituição e para o próprio currículo. Não são raros os casos de estudantes que respondem à prova em poucos minutos, sem compreender seu impacto. Cabe à gestão criar uma cultura de pertencimento, explicando desde o início do curso o valor da avaliação como parte do processo formativo. O estudante deve ser levado a entender que o exame é um compromisso com sua própria trajetória profissional e com a credibilidade da instituição que o formou.
As recentes mudanças nas diretrizes curriculares, como o Parecer CNE/CP nº 4/2024, reforçam competências que o ENADE tende a valorizar, entre elas o planejamento e a avaliação da aprendizagem com metodologias ativas e práticas contextualizadas; a inclusão e a diversidade, que preparam o professor para atuar com diferentes perfis socioculturais e alunos com deficiência; o uso ético e pedagógico das tecnologias digitais e da inteligência artificial; a compreensão dos marcos legais e das políticas públicas da educação brasileira; e a gestão de sala de aula com foco na mediação de conflitos. Esses temas apontam para uma concepção de professor que une saber técnico, sensibilidade social e domínio pedagógico, e é essa tríade que o ENADE busca reconhecer.
Os resultados do exame mostram que cursos com forte articulação entre teoria e prática alcançam melhor desempenho. O estágio supervisionado precisa ser entendido como parte contínua da formação, não como uma etapa isolada no fim do curso. O novo parecer do Conselho Nacional de Educação propõe que o estágio acompanhe o aluno desde o primeiro semestre, promovendo vivências reais em escolas e comunidades. Essa integração dá sentido ao aprendizado e prepara o futuro docente para refletir sobre sua prática — o que se traduz, inevitavelmente, em melhor desempenho no exame.
Mais de 80% dos professores brasileiros são formados em instituições particulares. Isso significa que o setor privado é o principal responsável pela formação docente no país. Em um momento de escassez de profissionais e risco de “apagão de professores”, as instituições particulares precisam tratar o ENADE não como ameaça, mas como instrumento de valorização institucional. Ao assumir o protagonismo nesse processo, as instituições demonstram compromisso com a qualidade da educação básica e com o futuro do país. Afinal, é também uma oportunidade de mostrar à sociedade a seriedade com que formam seus educadores.
Criar uma cultura positiva em torno do ENADE requer liderança, comunicação e exemplo. O gestor precisa estimular seu corpo docente e discente a encarar o exame como parte natural do processo formativo, e não como um obstáculo. Os resultados são um espelho: mostram o quanto a instituição consegue, de fato, formar professores capazes de transformar realidades e atuar nas diferentes realidades brasileiras. Ao final, mais do que números, o que o ENADE mede é o compromisso das instituições com o país. Quando uma instituição decide tratar o exame com seriedade, ela está dizendo ao Brasil que acredita na força do professor, e que aposta nele como o principal agente de mudança social.

Amábile Pacios é vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e ex-conselheira Nacional de Educação, com atuação destacada na Câmara de Educação Básica. Educadora com mais de 30 anos de experiência, é autora de livros didáticos e presidente do Grupo Educacional Dromos. Reconhecida por sua liderança no setor educacional, recebeu o título de Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito Educativo em 2022, em homenagem aos seus serviços prestados à educação brasileira.