A colunista Lara Crivelaro reflete sobre a urgência de uma educação que forme cidadãos globais, críticos e preparados para atuar em contextos diversos
O mundo contemporâneo exige dos indivíduos não apenas o domínio de conteúdos acadêmicos, mas, sobretudo, o desenvolvimento de competências interculturais, habilidades socioemocionais e uma visão globalizada de cidadania. Em um cenário de rápidas transformações tecnológicas, econômicas e sociais, preparar estudantes para atuar em contextos diversos tornou-se uma necessidade estratégica para as nações.
No entanto, o Brasil, especialmente no Ensino Médio, ainda adota predominantemente um modelo educacional conteudista, focado na preparação para exames vestibulares, em detrimento da formação integral dos alunos. Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre a urgência de reformular o Ensino Médio brasileiro para atender às demandas de um mundo globalizado, à luz de comparações internacionais e dados empíricos.
A educação para um mundo diverso e globalizado
As sociedades globais contemporâneas demandam cidadãos capazes de transitar por diferentes culturas, lidar com a diversidade, pensar criticamente e agir de maneira colaborativa e inovadora. De acordo com o Fórum Econômico Mundial (2023), as competências mais valorizadas para 2030 incluem pensamento analítico, criatividade, resiliência, alfabetização digital e liderança social1.
Nessa perspectiva, formar estudantes para o mundo global implica promover a aquisição de softskills (habilidades interpessoais), incentivar metodologias ativas de aprendizagem e desenvolver a autonomia intelectual dos alunos, preparando-os para enfrentar problemas complexos e inéditos.
A situação do Ensino Médio brasileiro
No Brasil, o Ensino Médio ainda é, em grande medida, estruturado para atender à lógica dos vestibulares e exames padronizados. A sobrecarga de conteúdos, a fragmentação curricular e a ênfase na memorização prejudicam o desenvolvimento de competências essenciais para a cidadania global e para o sucesso acadêmico e profissional em contextos internacionais.
Dados do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (ERCE 2019), realizado pela UNESCO, indicam que estudantes brasileiros apresentaram desempenho inferior em habilidades socioemocionais em comparação a colegas de países como Colômbia e Chile. Além disso, o Open Doors Report 2023 demonstra que, embora o Brasil tenha o maior número absoluto de estudantes latino-americanos nos Estados Unidos (22% do total), países como a Colômbia, que enfatizam metodologias mais holísticas de ensino, apresentam taxas de crescimento mais aceleradas em programas de bolsas internacionais3.
Esses dados sugerem que o modelo brasileiro, excessivamente baseado na transmissão de conteúdos, pode limitar as oportunidades dos estudantes no cenário global.
Lições da América Latina: Colômbia e Chile
A Colômbia e o Chile têm se destacado na preparação de estudantes para oportunidades internacionais devido a mudanças estruturais em seus sistemas educacionais. Na Colômbia, escolas de referência como o Colegio Nueva Granada e programas de apoio como o ICETEX incentivam o desenvolvimento de lideranças, responsabilidade social e projetos de impacto comunitário, características altamente valorizadas em processos seletivos de universidades internacionais.
No Chile, políticas públicas de incentivo à formação integral e programas de bolsas internacionais, como o CONICYT, são acompanhados de uma reestruturação curricular que busca desenvolver pensamento crítico, criatividade e competências socioemocionais desde o ensino básico.
Esses exemplos mostram que investir em uma formação ampla, que vá além do conteúdo acadêmico tradicional, é fundamental para aumentar a competitividade dos estudantes no cenário global.
Caminhos para a transformação no Brasil
Para que o Brasil possa preparar seus estudantes de maneira mais adequada para o século 21, algumas ações são imprescindíveis:
- Reestruturação Curricular: Integrar disciplinas que desenvolvam habilidades globais, como cidadania, ética intercultural, pensamento crítico e inovação.
- Metodologias Ativas: Incentivar projetos, resolução de problemas, debates, simulações e outras práticas que promovam o protagonismo estudantil.
- Formação de Soft Skills: Incorporar intencionalmente o desenvolvimento de habilidades como comunicação, liderança, empatia e resiliência.
- Apoio ao Projeto de Vida: Estimular desde cedo a reflexão sobre trajetórias pessoais e profissionais em uma perspectiva global.
- Internacionalização da Educação Básica: Estimular programas bilíngues, intercâmbios, certificações internacionais e parcerias escolares globais.
A aprovação e a implementação efetiva do Novo Ensino Médio, que prevê itinerários formativos mais flexíveis, representa uma oportunidade importante, desde que alinhada a esses princípios. A preparação de estudantes para um mundo globalizado exige muito mais do que transmitir conteúdos tradicionais. É necessário desenvolver cidadãos críticos, criativos, colaborativos e resilientes, capazes de atuar em múltiplos contextos culturais e profissionais.
O Brasil, ao persistir em um modelo conteudista voltado exclusivamente para exames, corre o risco de marginalizar seus jovens das melhores oportunidades acadêmicas e profissionais internacionais. É urgente repensar a formação escolar para que os estudantes brasileiros não apenas ingressem em universidades internacionais, mas, sobretudo, sejam protagonistas em um mundo cada vez mais diverso e interconectado.

Doutora em Sociologia pela Unesp, Lara Crivelaro foi diretora de cursos de graduação e pós-graduação, pró-reitora, coordenadora geral de educação à distância e consultora de diversas universidades do Brasil.
Fundou a Efígie ao identificar uma lacuna na educação internacional e atualmente é CEO da empresa e também diretora-executiva do Instituto Educbank de Educação e Cultura.
Lara é avaliadora do Ministério da Educação (MEC) para credenciamento e autorização de cursos a distância e autora de cinco livros, sendo o último “A educação básica no palco internacional”.