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Para valorizar a docência e garantir qualidade, escolas e redes precisarão investir em trilhas formativas e carreira articulada à BNCC

[Débora Thomé]

A valorização da carreira docente é um dos principais vetores de transformação da educação básica no Brasil. Em um cenário de crise de atratividade da profissão — agravada pela evasão em cursos de licenciatura, baixos salários e condições precárias de trabalho — redes públicas e instituições formadoras buscam, até 2026, alinhar políticas de formação continuada a planos de carreira, com foco na melhoria da aprendizagem e na permanência dos profissionais na escola.

Em 2023, a Pesquisa Profissão Docente, coordenada pelo Todos Pela Educação em parceria com o Instituto Península, já revelava que 51% dos professores brasileiros não se sentem preparados para enfrentar os desafios da sala de aula, e 41% cogitam deixar a profissão. O dado mais alarmante, porém, está nas universidades: os cursos de licenciatura perderam mais de 30% das matrículas em cinco anos, segundo o Censo da Educação Superior 2023.

Diante desse quadro, o Ministério da Educação (MEC) e diversas redes estaduais estão apostando em novos modelos de formação continuada, com planos de desenvolvimento individual, itinerários flexíveis e programas como a Residência Pedagógica e o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens. Até 2026, especialistas apontam que o fortalecimento das redes de formação e o uso de tecnologias para acompanhamento individualizado de docentes serão estratégias centrais para consolidar essa virada de chave.

Carreira, bem-estar e permanência no centro do debate

Para Amábile Pacios, vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e colunista do educador21, a efetividade das políticas educacionais depende da integração entre carreira, formação e saúde emocional: “Não há qualidade de ensino se o professor não tiver condições dignas de trabalho e equilíbrio emocional”.

Amábile avalia que os programas de formação só terão impacto real quando associados a planos de carreira estruturados e ao reconhecimento do professor como sujeito central da comunidade escolar. “É possível integrar formação e saúde emocional por meio de ações práticas, como encontros pedagógicos que incluam momentos de reflexão e autocuidado, suporte psicológico acessível e valorização pública do trabalho realizado”, explicou.

A educadora também aponta três tendências que devem marcar a valorização da docência até 2026: o uso da inteligência artificial para reduzir burocracias, o fortalecimento de comunidades de prática e a consolidação de políticas voltadas ao bem-estar. O desafio, segundo afirmou, é transformar boas intenções em ações concretas, evitando que a sobrecarga continue sendo a marca da profissão.

Trilhas formativas, BNCC e novas competências

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem sido um marco importante para orientar a formação inicial e continuada de professores. No entanto, estudos da Fundação Carlos Chagas e do Instituto Natura apontam que a transposição da BNCC para práticas formativas ainda é desigual entre os territórios.

Nesse cenário, Cesar Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), ressaltou não haver solução única para os desafios da educação. “Educação de qualidade como direito realizado de todos os brasileiros depende das condições mediante as quais são formados os professores e das condições pelas quais eles exercem o seu magistério”, disse.

Callegari defende que o país precisa formar uma nova geração de docentes: “Com formação em período integral, currículos inovadores, bolsa de permanência, avaliação em processo e um novo marco referencial para a carreira do magistério. Além, e principalmente, de sua efetiva valorização salarial. Todavia, não podemos descuidar da valorização de todos aqueles que já se encontram em atividade”, afirmou o educador.

O presidente do CNE avalia ainda que recursos como a formação híbrida e adaptativa podem contribuir para efetivar direitos de aprendizagem, desde que não sejam reduzidos a plataformas de conteúdo. De acordo com ele, o desenvolvimento docente só ocorre de forma consistente em ambientes colaborativos, críticos e criativos.

Docência valorizada: condição para permanência e e desafios da BNCC

O educador Mozart Neves Ramos acrescentou a esse panorama que motivação e permanência dos professores estão diretamente relacionadas à valorização da carreira e à qualidade da formação continuada. Para o educador, a formação prática e vinculada à realidade da sala de aula é fundamental para engajar os docentes e responder aos desafios do novo ensino médio.

Mozart Neves Ramos acrescentou que motivação docente é inseparável da permanência. “Salário, carreira, desenvolvimento profissional e boas condições de trabalho são pilares inseparáveis. O professor motivado, bem formado e valorizado é chave para a aprendizagem”, sintetizou. Esses elementos, aliados a uma gestão escolar transformadora, são, em sua visão, a chave para melhorar a aprendizagem dos estudantes.

Em relação à BNCC, o titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do IEA/USP lembrou que a base deve ser vista como uma bússola para a educação integral, e não como um currículo prescritivo. O maior desafio, segundo ele, está na resistência de parte das universidades, que ainda privilegiam uma formação conteudista em detrimento do desenvolvimento de competências. “A formação docente precisa ser prática e voltada para a sala de aula”, analisou.

Ao defender maior alinhamento entre universidades e redes escolares, Mozart conclui que só será possível preparar os professores para o futuro se o país superar a lógica de formar estudantes com “retrovisor”. Para ele, é urgente que a docência seja vista como carreira de prestígio e projeto de vida, capaz de sustentar o desenvolvimento educacional do Brasil – até 2026 e além.

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